Embora já considerasse o assunto encerrado, o Sr. José Maurício de Toledo Murgel contra-atacou falando do cemitério de Perus. Aquele cemitério se era ou não de mendigos com certeza recebeu muitos cadáveres de jovens torturados. Descobriu-se depois muitos cemitérios clandestinos por todo o país. O Estadão não foi fechado, mas teve aquela edição apreendida. O que ocorre na política de outros países não nos interessa. Cada um é dono de seu destino. Nunca fui esquerdista. Se hoje pareço ser é porque a “direitona” não funciona neste país. Quando foi que ricaços fizeram filas para a prisão? Nunca. Hoje acontece. O meu mote maior na carta do leitor foi a pergunta: por que os governos não determinam a abertura dos arquivos da ditadura? E isto o Sr. Murgel não respondeu. Nunca pesquisei sobre a História recente de nosso país porque simplesmente a vivi intensamente. Recebi um email de jauense torturado naqueles tempos, pedindo ajuda para um ressarcimento do Estado. Além de algumas orientações pedi para procurar Amelinha, pessoa que luta até hoje pelos direitos dos torturados. Narro a seguir as cenas chocantes do sofrimento desta figura maravilhosa e espero que as crianças não leiam.
Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida como “Amelinha”, foi presa na rua Loefgreen, Vila Mariana, com seu marido, César Augusto Teles, enquanto aguardavam companheiros da organização a que pertenciam na luta antiditatorial, segundo narração dela mesma, citado em meu livro “Memórias de um camelô”, página 120. Levada para o DOI-CODI ficou de 28.12.1972 a 13.01.1973. Passou quinze dias sendo espancada. Levou choques no ânus, ouvidos, seios e vagina. Era amarrada nua com fios elétricos à cadeira do dragão de madeira, mas forrada de metal. Diz ela: “Eram de seis a dez homens. Queriam informações. Enquanto uns aplicavam a palmatória, outros jogavam água. Quando cansavam de me bater, tiravam-me da cadeira. Eu estava completamente desfeita. Aí me levavam para o pau-de-arara onde você fica pendurada como frango no açougue. E eles tomando leite, refrigerantes, fumando, masturbando-se e esporrando em você... Durante a tortura, eu queria morrer logo, para evitar mais sofrimento. Mas, quando me atiravam na cela, pensava que teria de sobreviver, sair e denunciar”.
Uma vez Maria Amélia viu um ex-torturador seu, o general de reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, o dr. Jorge, codinome que usava e pelo qual ficou conhecido entre os presos políticos. “Me deu uma sensação de medo e raiva...” A orientação aos presos políticos era para que não entregassem pontos de encontro ou os companheiros. Muitos resistiam até a morte, como o marido de Amelinha. “Não que ele fosse fraco e não agüentasse a tortura. É que existem dois tipos de tortura: a que intimida e machuca e aquela que intimida, machuca e mata”, - ressalta ela. Após ficar meio ano incomunicável Amelinha foi julgada e condenada a mais sete meses de prisão. Saiu no começo de 1974 e no mesmo dia recomeçou a luta. Escreveu uma carta à Anistia Internacional em Londres, relatando as torturas. Amelinha tem certeza de que a tortura no Brasil nunca parou e é hoje aplicada aos encarcerados comuns, (desde que sejam pobres), da mesma forma que ocorria com os presos políticos. A médica Elzira Vilela também passou pelo inferno junto com seu marido e a filha pequena Carminha. A narração dela é chocante porque a ditadura não torturava apenas os militantes, mas a família toda.
Não é função de quem escreve chocar o leitor. Peço escusas por isto. Admito que em confrontos morram pessoas dos dois lados. O inadmissível é assassinar pessoas, já aprisionadas, através de torturas. Isto a ditadura militar o fez sobejamente. E isto foi assassinato praticado pelo “Estado”, o qual, nossos governos atuais não dão valor, nem satisfação à sociedade abrindo os “arquivos da vergonha”.
Jeovah de Moura Nunes
(publicado no jornal “Comércio do Jahu” de 12 de junho de 2007 - terça-feira – página 2 – Opinião)