Paira uma urgência de se repensar a educação
na perspectiva da alegria do encontro com o
conhecimento, palmilhando as trilhas que
conduzem ao miraculoso fascínio do aprender,
desenvolvendo neste trâmite os aspectos
biopsicossociais de alunos e professores e
resgatando o prazer de aprender. Hernández
(1998:11-12), ao debater a organização do
currículo escolar e propor projetos de trabalho,
como uma forma de se repensar a escola, revela
ser uma idéia transgressora. Todavia, falar em
uma educação partilhada com a ternura, é
igualmente transgressão. A ternura parece não
ter lugar no frio e metálico mundo pós-moderno.
Para que se dê o que quero denominar de alegria
do encontro, a escola precisa apresentar como
requisito, concomitantemente à difusão do saber,
a difusão da fraternidade verdadeira e
epidêmica. Tomando as palavras de Assmann
(1998:23), a escola deve ser um lugar gostoso. A
alegria do encontro é, inapelavelmente, a
credencial mais segura que se pode adquirir no
ponto de partida do caminho da educação
escolar. Eu gostaria de uma escola onde a
criança não tivesse que saltar as alegrias da
infância, apressando-se, em fatos e pensamentos,
rumo à idade adulta, mas onde pudesse apreciar
em sua especificidade os diferentes momentos de
suas idades (Snyders, 1996).
O FASCÍNIO DO APRENDER
Ao pensar no encontro e no aprender situados em
uma sociedade de chips e softs, percebo, por vezes
um fenômeno preocupante. Causa-me certa
sensação nociva reconhecer a avalanche
inevitável desta revolução. Ao mesmo tempo em
que falamos de sentimentos, vemo-nos também
elementos integrantes do que conceituaram como
ERA DAS REDES, ou, como prefere Assmann
(1998:122), um aprendente na era das redes. Da
mesma forma, defronte a um escancarado mundo
da informação globalizada, com assustadores
volumes indigeríveis de dados, posto que,
conforme Hernández (1998:64-65), o hoje não é
como o ontem, e o amanhã é incerto. Entretanto,
repouso minha ansiedade na “profecia” de Gates
(1995) ao dar pistas de que, neste contexto, é
ainda mais convencedora a aliança entre o
prazer, a alegria e a educação. O gigante da
informática antecipa que o futuro do magistério
será promissor tão somente aos educadores que
injetarem energia, criatividade e fortes laços de
amizade com os alunos na sala de aula.
Voltando às nossas plagas, também Moreira
(1995) comenta que não se pode negligenciar o
sentimento, o afeto, o corpo, o prazer. Fatores
essenciais para a construção dos saberes e
conhecimentos. Para este autor, o aspecto
cognitivo é indispensável, mas não suficiente.
Coadunando-se com esta premissa, Assmann
(1998:30) acrescenta que
o cérebro/mente está feito para a fruição do
pensar. Por isso a ênfase no “pensar próprio” – não
apenas como pensamento que consegue tomar
forma e articular-se, mas também como uma
experiência humanamente gostosa – é um tema
pedagógico fundamental. O conhecimento só
emerge em sua dimensão vitalizadora quando
tem algum tipo de ligação com o prazer.
O fascínio do aprender não é, senão, atribuir
valor imensurável às vivências das experiências
de aprendizagem cotidianas, partilhadas
socialmente enquanto a vida for generosa. Assim
tenho repensado a educação. Assim, e com
fascínio, tenho aprendido a educação e tenho
crido ser este um percurso legitimamente possível.
A via que origina-se na alegria do encontro e
conduz ao fascínio do aprender não constitui-se
num trajeto cartesiano que vai de “A” a “Z”, mas
num itinerário híbrido e ininterrupto.
Com o intuito de reforçar meus argumentos,
recorro a Assmann (1998:29), com grifo meu:
precisamos reintroduzir na escola o princípio de
que toda a morfogênese do conhecimento tem algo
a ver com a experiência do prazer. Quando esta
dimensão está ausente, a aprendizagem vira um
processo meramente instrucional. (...) Mas a
experiência da aprendizagem implica, além da
instrução informativa, a reinvenção e construção
personalizada do conhecimento. E nisso o prazer
representa uma dimensão-chave.
O PERCURSO POSSÍVEL
No transcurso da nossa história da educação,
infelizmente, não foram muitos os autores que
buscaram fazer a ponte entre a aprendizagem e o
prazer. Gadotti (1993) destaca os nomes de Rubem
Alves e de Lauro de Oliveira Lima. O primeiro, diz
Gadotti,
refletiu sobre o valor progressista da alegria,
sobre a necessidade de o educador se descobrir
como um ser vivo, amoroso, criativo. As categorias
principais de sua teoria pedagógica são o prazer,
a fala, o corpo, a linguagem, o despertar e o agir.
(Op. cit. p.236)
O segundo,
na década de 60, difundiu as práticas da
dinâmica de grupos nas escolas e posteriormente
desenvolveu numa escola experimental as teorias
piagetianas da socialização e da inteligência da
criança. (Idem, ibidem, p. 236)
É, ainda, Assmann (1998:34) que, citando Rubem
Alves, advoga que educar é seduzir para o
saber/sabor. Quero extrair desta máxima a
compreensão de que um saber insípido será
provado uma única vez e logo abandonado.
É premente a necessidade de levarmos em
consideração aspectos importantes, e tão
desprezados hoje, na organização do trabalho
pedagógico a fim de que se propicie um ambiente
favorável a alegria do encontro e ao fascínio do
aprender. Entre eles, posso afirmar, sem receio de
errar, que a presença da ludicidade torna o
trabalho mais estimulante. Ortega (1990:05)
vaticina que
la fuerza motivadora que los niños imprimen a
sus actividades ludicas está intimamente
relacionada com la curiosidad epistemológica
natural del ser humano; por eso, juego y
aprendizage necessariamente deben estar
relacionados.
Acrescento, ainda, que o educador pode fazer uso
das atividades lúdicas como estratégias
incentivadoras e/ou metodológicas no decorrer
do trabalho pedagógico. O lúdico sensibiliza,
conscientiza e predispõe os envolvidos a uma
participação mais efetiva nas etapas do trabalho
pedagógico. Este também é o pensamento de Silva
(Cf. Miranda, Simão de, 1996:13), com o qual
naturalmente compartilho. O exercício do
potencial criativo dos alunos e a vivência de
experiências que tragam valor aos
relacionamentos humanos são, igualmente,
aspectos que merecem especial atenção por parte
do educador. Por meio da socialização, das
vivências coletivas, do paiol de emoções que
potencialmente é a sala de aula, das relações de
respeito, solidariedade e compreensão entre
alunos e professores, pode-se fazer o ambiente
pedagógico rico em alegria e fascínio. Se a escola
não se fundamenta sobre o atrativo dos
conteúdos, corre o risco de especular o temor,
temor de sanções imediatas e principalmente
temor de grandes fracassos tão freqüentemente
profetizados (Snyders, 1988). Devemos desejar o
pouco, porque essencial: amor ao labor,
fraternidade e ternura, ou, como tão belo ficou
no neologismo de Assmann (1998:14), fraternura.
Essa coisa, essa trama, esse gás que nos movimenta
e nos alimenta a chama.
CONCLUINDO
Acredito, inabalavelmente, no poder miraculoso
da alegria e do prazer, que está conectado à vida
e ao crescimento espiritual, coletivamente.
Precisamos, neste aqui e neste agora, regar nossos
sonhos de educadores e corroborar a semeadura,
o cultivo e a colheita dos sonhos de nossos alunos.
Reconheço que nenhuma inovação envolvendo
pessoas ocorre repentinamente. Sei que há um
tempo a ser gasto. Mas precisamos ser mais
rápidos. Persegue-me a certeza de que ainda não
falamos suficientemente da esperança e da
utopia, por isso a vontade de não pretender
concluir.
Como nos ensinamentos de Cora Coralina que
guardo de memória (e lugar melhor não há para
guardar o que nos fascina), "feliz aquele que
compartilha o que sabe e aprende o que ensina."
As pessoas, e igualmente os momentos
inesquecíveis, que mesmo se quiséssemos não os
olvidaríamos, tiveram raízes no encontro. Não
um encontro qualquer, fortuito, mas um encontro
de urdida trama. É impossível não nos
lembrarmos na nossa trajetória como aluno ou
educador de, ao menos uma, aula “encantada”.
O que “eles” tinham que carece em nós? A resposta
projeta um salto da ponta de minha língua, e
poderá não ser a única: os envolvidos no processo
estavam contaminados da alegria do encontro e
da expectativa do aprender. Não deveríamos
estancar este assunto.
Ainda não demoveram-me da idéia de que, assim
como a vida, a educação – que também é viva – só
faz sentido quando habitada pela expectativa,
feita do desejo em compartir-se, da jornada que
tem princípio na alegria do encontro com o
conhecimento rumo ao fascínio do estar sempre
aprendendo.
BIBLIOGRAFIA
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo a
uma sociedade aprendente. Petrópolis, Vozes,
1998.
GADOTTI, Moacir. História das idéias
Pedagógicas, São Paulo, Ática, 1993.
GATES, Bill. A estrada do futuro. São Paulo,
Companhia das Letras, 1995.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança
na educação: os projetos de trabalho. Porto
Alegre, ArtMed, 1998.
MIRANDA, Simão de. Essa, você aprende
brincando! (atividades recreativas para salas de
aula), Campinas, Papirus, 2ª ed., 1996.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Escola,
currículo e construção do conhecimento. São
Paulo, Cortez, 1995.
ORTEGA, Rosario. Jugar y aprender. Madrid,
España, Diada, 1990.
SACRISTÁN, Gimeno & GÓMEZ, Pérez. Compreender
e transformar o ensino. Porto Alegre, ArtMed,
1998.
SNYDERS, Georges. A alegria na escola. São Paulo,
Manole, 1988.
SNYDERS, Georges. Alunos felizes – reflexão sobre a
alegria na escola a partir de textos literários. São
Paulo, Paz e Terra, 1996.
SILVA, Edgardo da. In: Miranda, Simão de. Essa,
você aprende brincando! (atividades recreativas
para salas de aula), Campinas, Papirus, 2ª ed.,
1996.
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www.persocom.com.br/simao
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