Talvez não por acaso minha avó, mãe de minha mãe tenha sido registrada por engano como Antônio e não Antônia.Contam que durante a segunda guerra mundial constando dos arquivos do governo seu nome como um homem ela tenha sido convocada a se apresentar as forças expedicionárias brasileiras.O Brasil então tinha declarado guerra a Alemanha Nazista.
Minha avó Antonia Silva vivia seu ocaso, o crepúsculo de uma vida de guerreira. Em seus últimos dias mamãe deixou eu e meu irmão na casa do tio Ildefonso na Ilhabela pra passar os últimos dias com sua mãe...vovó morreu olhando pros olhos dela.Foi uma morte serena, tranqüila, numa tarde ensolarada.
Na casa do tio Ildefonso de tão pequenos que éramos a tia Silvia, mulher dele, colocava uma daquelas latas grandes que tinha antigamente para sentarmos em cima delas e alcançarmos a mesa .Havia lá um balanço pendurado numa árvore...a noite quando estou muito triste ainda em meus sonhos vou lá me balançar...
Meu tio Ildefonso foi nosso pai durante aquele tempo, carregava enormes cachos de banana nas costas, era severo, mas nos tratou com muito carinho, nos levava na cachoeira...lembro da noite na Ilhabela, dos vaga-lumes, dos mosquitos, do mar escuro e das luzes de São Sebastião ao longe, do cheiro do pé de Jaca, das minhas primas, Anne, Tânia e Kátia...a Anne a mais velha, lembro dela voltando da escola, a Tânia era a mais carinhosa, a Kátia a mais briguenta, a mais nova Daniela ainda não tinha nascido....lembro do mato atrás da casa do tio, dos dentes-de-leão que eu soprava e o vento levava....meu Deus que saudades que sinto...nessa época como algum mecanismo de defesa comia sabonete...um dia mamãe foi lá nos ver, só por algumas horas, eu me escondi no carro dela, queria ir embora de qualquer jeito.Mas mamãe me achou e pediu para que eu me comportasse, que cuidasse do meu irmão e que ela logo voltava.
Foram apenas dois meses, mas pareceu que foram anos, muitos anos...os beija-flores batiam na janela do quarto onde eu dormia, foi lá que conheci meu amigo imaginário...ele morreu quando completei dezesseis anos, mas ainda acho que um dia vai voltar.Lembro-me que comíamos todo dia peixe e banana..ás vezes tinha outros frutos do mar.
E então mamãe voltou para nos buscar, eu estava sentado no balanço olhando para o mar quando o vi o carro dela chegando, desci dele e corri em direção de seu carro..tinha eu então 4 anos, mas foi como se já tivesse quarenta...