(ou Idéias para serem furtadas pelos habitantes de Bizâncio )
( I )
A CRISE DA NARRATIVA :
Talvez apenas alguns raros escritores brasileiros de ficção tenham se preparado intelec-
tualmente como Uilcon Pereira . Um dos aspectos mais notáveis de sua obra está em como ele “narra” a crise no seio da própria literatura contemporânea . Ele se valeu de uma série de pares de opostos , por exemplo, para recriar o característico sentimento de mal estar do nosso tempo e a falência de dogmas religiosos/ políticos/ científicos . Contrapondo o consciente e o inconsciente, a vigília e o delírio, a realidade e a fantasia, frisou a duplici –
dade / triplicidade de qualquer ser humano, fenômeno, conceitos e interpretações , donde
o seu constante emprego da figura do travesti, do labirinto e de infindáveis jogos de lingua-
gem . Eis a fragmentação da vida, do homem e da escrita .
Como poucos não ignorava o impacto da obra de Braudel sobre a historiografia e sobre a ficção, com o fim da História romanceada e do enredo personalista , a morte anunciada do acontecimento . Da mesma forma, filósofo profissional, não desconhecia Wittgenstein , a filosofia analista ou filosofia da linguagem .
Um dos mais claros sinais da genialidade de Uilcon está em como contrapôs a heteronímia
de Fernando Pessoa à homonímia de sua criação, elegendo um nome/ personagem central em torno de quem se estabelece uma espantosa tabela de variação onomástica, seja Evaristo na trilogia de romances, seja Biúte nos contos minimalistas , que ele utilizou para narrar vá-
rias vozes a partir de vários lugares (nenhum lugar em especial), em vários tempos (ne-
nhum em particular), embora enquadrados em uma época que se pode, em largos traços, reconhecer como a nossa , em que até recentemente houve inquisições e há opressão .
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Para destacar o significado filosófico de haver um significado ou a ausência dele. Ou para o seu próprio prazer de alinhavar e mostrar-nos colagens às vezes surpreendentes do acervo literário e cultural de todos os países e todos os tempos. Uma loucura? mas tem seu método.
OUTRAS INQUISIÇÕES . Título de livro do escritor argentino Jorge Luís Borges.
Maliciosamente, Uilcon Pereira usou as mesmas palavras, porém no sin-
gular , para dar nome ao primeiro romance de sua trilogia (Outra Inquisi-
ção , 1982) .
NONADA . A primeira palavra com que Guimarães Rosa inicia o seu grande romance,
Grande Sertão : Veredas . Uilcon Pereira com ela nomeou , no plu-
ral , o segundo romance de sua trilogia ( Nonadas , 1983 ) .
POLISSEMIA . Em Uilcon paira a aventura da polissemia (não a unidade dogmática).
A diversidade reina , e não uma idéia classificatória da realidade e da arte,
redutora e insuficiente.
DIVERSIDADE . Reina a diversidade, e não uma idéia classificatória da realidade e da
arte, não um esquema redutor e insuficiente .
O OUTRO DA ESCRITURA . Mais um interessante contraponto que deve ser pes-
quisado em sua obra é o conceito de escritura como sendo o Outro da
leitura .
ACENTUADO APEGO AO MITO . Uilcon procurou o-
bras de Lévi-Strauss , justamente porque o conceito de mito já o
seduzira anteriormente. Referências em suas obras são inúmeras ,
como no final do terceiro romance da trilogia ( A Implosão do
Confessionário, 1984) :
“ - uma perguntinha final : e o herói, poderá ressur-