Aproximadamente 600 Sem-terras cruzaram por Santa Maria. Homens, mulheres e crianças que fazem de suas vidas uma marcha pela terra.
Há algo de estranho nessa gente. Querem um pedaço de chão para o cultivo. Algumas mães dessa marcha sonham com os filhos em uma escola de turno integral. Desejam plantar feijão, milho e hortaliças para pôr na mesa. Alguns homens dessa marcha possuem um desejo incomum, querem produzir leite, vinho colonial e comercializar alimentos orgânicos de forma cooperativada. Para muitos de nós, parece estranho.
Nós estamos acostumados com corrupção, desvios de verbas públicas e uma publicidade fugaz nas capas de revistas. Nesse cotidiano de aloprados não há espaço para a cooperação ou para uma mão estendida.
Os homens e mulheres dessa marcha possuem um sentimento de solidariedade que achamos anormal nesses tempos em que o nosso umbigo é o centro do universo.
Essa gente... muito estranha a capacidade de luta dessa gente. Muito estranha a capacidade de sonhar dessa gente.
Ouvi um discurso que essa gente não é bem-vinda em nossa cidade. A cidade da Mãe Medianeira. A mãe do cara que entrou no templo e botou os vendilhões para correr. A mãe do cara que andava pregando a paz, vestia-se humildemente e calçava sandálias rotas. Afinal, quem decide quem é bem-vindo, ou não, em nossa cidade?
Essa gente que marcha é formada por excluídos. Suas vestes são humildes e muitos nem sandálias rotas possuem para calçar. Mas na marcha dessa gente eles desfraldam suas bandeiras, carregam filhos nos colos e a esperança ao sabor do vento. Essa gente dorme sob lonas pretas ou ao relento, e, por vezes, possuem apenas uma vela para iluminar o sono de um piá.
Estranha a atitude dessa gente. Possuem umas virtudes não muito comuns: solidariedade, companheirismo, perseverança e, a maior delas, a luta por um mundo melhor. Seriam esses os motivos que provocaram a ira de alguns?
Os Sem-terras seguem seu caminho e deixam uma lição de vida na frase de uma das muitas mães da marcha. – Quando eu acordo de manhã e vejo meu filho sorrindo, eu busco forças para continuar na luta.