Hugo Chávez é produto da falência das reformas liberais na Venezuela. Desregulamentação do trabalho, privatização das estatais e demissão em massa, livre comércio, criação de um ambiente "saudável" para investimento transansnacional, choque de gestão pública...
Tudo isso falhou. Empobreceu o país e a população. Aumentou a miséria e a desigualdade. Colocou a Venezuela ainda pior do que estava décadas antes.
E aí veio Chávez em nome dos desvalidos. Levar a Venezuela ao século XIX de vez. Você só faz reforma se precisa mudar. A Venezuela quis se liberalizar por não ser liberal.
As reformas liberais na Venezuela começaram numa época em que o barril de petróleo ainda era bastante valorizado em comparação com o período antes do choque de 1973. Foi com esse dinheiro do petróleo que os partidos venezuelanos tradicionais (além de encherem os bancos suíços) tentaram fazer as reformas liberais supracitadas. A população, como fazia há 50 anos, continuou votando neles e o sistema político, funcionando normalmente. O petróleo não é a causa da virada pró-chavista.
Nos anos 1980 e 1990 as reformas liberais começaram a dar chabu. Pobreza, arrocho salarial, queda do poder aquisitivo, desemprego, inflação aumentaram. Já em 1989 houve uma revolta nas favelas de Caracas conhecida como "Caracazo", a população desceu para a cidade e depredou, saqueou etc. 60% da população, desde então, se encontra abaixo da linha de pobreza.
Em 1989 o "socialismo realmente existente" veio abaixo e teve ensejo a tese do "fim da História" Como a ex-premier britânica Margareth Thatcher dizia, não havia alternativa ao programa de reforma liberal. Não havia outro modelo disponível, ao menos naquele momento, às reformas liberais periclinantes. Essa perspectiva de "fim da história" só deixava brechas para uma alternativa que fosse o retrocesso. O "congelamento" da imaginação política desaguou na manipulação do passado. A Venezuela olhou para trás e deu a marcha a ré com vontade, depois das reformas liberais jogarem de vez o país no atoleiro. E aí veio Chávez. O filhote de Péres.
Chávez tentou um golpe de estado e foi preso. Ninguém se condoeu do pobre. A população venezuelana, porém, começou a desconfiar de seus políticos. O presidente Péres (um dos maiores defensores das reformas liberais, elogiado pelo FMI e pelo governo Reagan) sofreu impeachment.
Com a crise financeira mexicana em 1994 e argentina em 1995 o cenário se agravou para a Venezuela, ainda que o barril de petróleo tenha começado a aumentar de preço novamente. Os partidos tradicionais começaram a perder eleitores. Abstenção recorde. Chávez sai da cadeia e começa um movimento populista, um líder "acima" de partidos corruptos e "independente" das elites latrocinosas, voltado para os desvalidos da sociedade e advogando um estado forte.
Nenhuma alternativa foi criada ao cenário de desgaste das reformas liberais e de seus defensores, empobrecimento da população e crescimento das desigualdades. Chávez explorou esse cenário para se colocar como "salvador da pátria", "pai dos pobres" e "alternativa socialista e popular ao capitalismo liberal".
Chávez vence as eleições, os partidos tradicionais caem de podres. Os pobres se aconchegam sob as asas do estado-provedor chavista e os ricos emigram em massa ou buscam privilégios junto ao estado-provedor. O barril de petróleo dispara no fim da década. Crise no Brasil, falência argentina, descrédito do FMI e Banco Mundial. Chávez de repente vira "uma alternativa" à falência das reformas liberais. E tem como financiar suas políticas estatistas, autoritárias, anti-liberais. E ao menos na aparência produzir "desenvolvimento".
E hoje é essa coisa aí, uma ditadura em construção calcada na falência das reformas liberais. Reformas liberais que se colocavam como única alternativa possível. Depois de sua falência, Chávez está fazendo o mesmo. Calcado no petróleo, claro, mas também na incapacidade de seus adversários e nas condições precárias da sociedade venezuelana corrente. Chávez emparedou a imaginação política venezuelana e transformou oposicionistas em "traidores". Inclusive alguns de seus primeiros e mais fiéis aliados.
O fracasso de um programa político liberal convenceu as pessoas a buscarem uma alternativa. Ou um arremedo disso.
Que assumiu com o barril venezuelano valendo 7 dólares e hoje tem 70 dólares por barril para implementar sua agenda política. O povo cansou de ser roubado na Venezuela pelas "zélite" do petróleo. Ladrões, corruptos e ineficientes. Aí veio o Cesarismo a galope...Montado no barril de petróleo.
Agora a Venezuela é tudo, menos liberal, graças aos liberalizadores da década de 1990.
Assim como Kirschner na Argentina, Lula no Brasil, Morales na Bolívia.
O desprezo às práticas democráticas pelas elites políticas da Venezuela e o descaso com a "coisa pública" transformada em usufruto privado (incluindo a gestão desastrosa dos recursos advindos da exploraçao petrolífera) redundou numa ditadura populista e na transformação da Constituição num instrumento de propaganda política. A população deixou os partidos morrerem de inanição, caindo nos braços do primeiro Luís Napoleão que apareceu querendo vingar o lúmpen com a espada nas mãos.
A Democracia foi tornada trivial. Depois do ocaso dos partidos tradicionais (que boicotaram as eleições subsequentes à ascensão chavista) Chávez remodelou a Constituição e correntemete está a desfigurá-la por considerá-la um empecilho à sua "revolução" bolivariana. Chávez já substituiu todo o Judiciário, já fechou meios de comunicação oposicionistas. Tudo aponta para um golpe de estado, como o que ele já deu em 1992. E perdeu.
Agora, infelizmente, após as reformas liberais desastrosas e após 30 anos de corrupção e ineficiência, os deserdados da Venezuela ainda estão dispostos a bancar o despotismo de Chávez.
Viverão para lamentar o seus resultados.
A necessidade de Chávez institucionalizar o estado de sítio e a exceção é mostra de que mesmo sua base de apoio nos deserdados está a perigo. O timing é impecável. Estão surgindo oposições que, quem sabe futuramente, possam lograr o apoio democrático da maioria dos venezuelanos.
Chávez não vai deixar. Chávez denuncia atitudes fascistóides em de governos como o da Espanha. Chávez sabe denunciar as mazelas alheias. Foi alvo de um golpe de estado em 2002, po certo.
Mas não quer que ninguém se manifeste sobre sua ditadura em construção. É preciso confrontar informações, fontes, contextualizar. Chávez está impedindo exatamente isso. Só a versão do governo é a verdadeira. E não há chance de outras serem manifestas. É o monopólio da informação.
Os protestos nas universidades e as manifestações de rua, espordicamente recebidas a bala por grupos paramilitares "independentes" lançam fumaças de dúvida sobre a sustentabilidade da "revolução bolivariana". Os estudantes foram para as ruas inclusive por se sentirem logrados pela "revolução" que lhes tolheu o direito de fazer juízo próprio sobre o que aprendem e de manifestar seu juízo em público.
As pessoas podem expressar livremente sua opinião sobre Chávez e sobre não-Chávez na Venezuela? Tem acesso a meios de comunicar sua opinião para outros venezuelanos? Seja mídia impressa, Internet, TV, rádio. São perguntas relevantes para quem se preocupe com a democracia. Os venezuelanos têm livre, desimpedido, pleno direito de expressar suas opiniões, inclusive sobre política? Têm acesso aos meios de comunicar sua opinião para seus compatriotas?
A Constituição que Chávez fez aprovar (redigida de próprio punho em boa parte, por sinal) tornava discricionária a renovação do direito de transmissão de cadeias de TV e rádio. Chávez fez uso desse artigo para fechar veículos de mídia oposicionistas, de acordo com a Constituição, e para estimular outros, como os do bilionário Cisneros, a se tornar seu aliado.
A mesma Constituição não previa reeleições infindas. Mas aí...Epa!
Chávez resolveu descumprir a Constituição, criando uma infinidade de novos artigos e anexando-os ao texto que aprovara em 1999. O texto de 1999 deixava claro que qualquer reforma deveria preservar a "estrutura" da Constituição - a relação entre os poderes, por exemplo.
Mudanças, só as que interessam. Para que complicar as coisas? A Venezuela não precisava de uma cadeia de TV (que era campeã de audiência em boa parte dos horários). Mas sem dúvida precisa de reeleições infinitas e do estado de exceção.
Chávez alega que a mídia oposicionista foi decisiva na tentativa do golpe de 2002. Por certo. Não seria, pois, órgãos engajados na defesa da livre expressão, conformes à democracia. O mesmo raciocínio, porém, se aplica ao que o governo Chávez faz atualmente.
Antes era um grupo de emissoras, dentre as muitas da Venezuela, que colaborava com golpistas (sem esquecer que, em 1992, Chávez era o golpista de plantão). Agora é um grupo de emissoras, dentre as POUCAS da Venezuela, que colaboram com o governo e com suas políticas pouco ou nada democráticas.
É a mesma coisa com os partidos. Os partidos tradicionais, corruptos, levaram a Venezuela à ruína no auge do petróleo caro dos anos 70. Chávez aproveitou a chance e criou partidos novos, também corruptos, que estão dilapidando a riqueza do barril a 70 dólares (o céu é o limite)...Com um diferencial: só partidos de governo. Nada de oposição organizada!
No regime "bolivariano", personalista, Chávez que fez a própria Constituição e depois, a desfez para permitir reeleições infinitas como mandatário único, sem depender de outras estruturas políticas.
Chávez, em suas infindas manifestações públicas nos meios de comunicação, "incentiva" a participação política dos cidadãos. Enquanto isso, os índices de abstenção eleitoral igualam ou superam seu recorde anterior, na crise institucional dos anos 1980...
É fácil governar um país se apenas seus militantes votam, e ainda mais se só há partidos de governo para serem votados.
Os eventos nas universidades e nas manifestaçõs de rua suscitam uma pergunta intrigante: além de ter acabado com a liberdade de opinião e com disputas políticas livres, quererá Chávez se livrar de toda oposição? Será que teremos milícias em todas as universidades da Venezuela? Ou, repetindo Mao, serão estas fechadas?
Os estudantes, as milícias mataram ou intimidaram. Mas a idéia que esses têm, ou buscam ter, do que seja uma comunidade política na Venezuela não morreu, pode ter certeza. Nem Chávez nem milícias controlam os corações, as mentes e o futuro.
Efeitos colaterais do Liberalismo dos anos 90.
Vale lembrar: chauvinismo e autoritarismo não são sinônimos de socialismo. Na marra, Chávez vai produzir uma nova Líbia com petróleo, paramilitares e culto à persona.
Também vale lembrar que o coronel Chávez comunga do desprezo para com a democracia que militares de todo o continente, sob a batuta dos EUA, demonstraram por décadas a fio. Chávez é uma velha novidade. Uma velha "alternativa" à democracia, que limita o debate político aos fascistas de direita e aos fascistas de esquerda.
Quem acha que Chávez e sua "alterativa bolivariana" vai durar muito, muito...
Tudo passa e tudo passará. O Império Francês de Napoleão III que o diga.
A fortuna está nas mãos dos venezulanos, não de um "companheiro" de farda de Hugo Chávez. Democracia é a única garantia contra fascismos, autoritarismos civis e militares, personalismos.