MAIS UM DIA, SENHOR PRIMEIRO-MINISTRO Na manhã de hoje, enquanto desenfiava e enfiava calças, após ter ligado o televisor no programa Fátima, da SIC, vi e ouvi um tolinho a gozar com o mundo, ridículo, um daqueles que tem na voz sons de galinha que, ao invés do clássico hábito, cacareja para absorver os ovos.
Logo adiante surgiu a Maia, a taróloga, ditando o rumo aos humanos através dos signos. A Maia está de cangalhas, cada vez mais adunca, engelhada e, por mais pó em que se embrenhe, vê-se que entrou na plena alvorada do «cá-se-fazem-cá-se-pagam». Quanto mais fruiu, mais vai doer.
A «Árvore-das-Patacas» tem em palavras penduradas 53-mil-euros. Um telefonema, anuncia-se com frequência, e nada melhor do que tentar muitas vezes, pode proporcionar a um dos privilegiados milhares de crédulos, abaixo de asno, uma abundante banhada de notas.
Desço a rua de Camões, está frio, mas o sol irrompendo todo aberto, acaricia-me de esplêndida quentura. Atravesso ao fundo da rua Alferes Malheiro e prossigo pelo passeio defronte à fachada lateral esquerda do edifício da Ordem da Trindade.
- Ena pá - digo comigo - que grossa-fileira de mendigos e gente aflita em busca de alimentação! Conto por alto até dez e outro tanto, e outro tanto, e outro tanto, cinquenta, sessenta, setenta-e-tal. A 5-euros, pois e arredondando, são 400-euros de instante caridade-a-sério que a Ordem da Trindade há mais de meio-século diariamente pratica. Os 53-mil-euros da SIC dariam para manter estes famintos em permanente estado de ansiedade durante 133 dias...
A vida é assim e sempre foi assim desde que nasci. Que se lixem o Salazar (no Porto havia a Casa dos Pobres, hoje tomada para guardar automóveis pobrezinhos) e todos quantos se lhe seguiram no trato mais instante que qualquer sociedade, que minimamente se preze e se dignifique, deveria resolver com aplicada e firme inteligência.
Bom dia, senhor primeiro-ministro. Está um sol deslumbrante no Porto. Praza que o astro-rei também idêntico se abra sobre Lisboa. Vá, assine o tratado que sob as mais lídimas evocações continuará a tratar à grande dos gerentes do planeta europeu. António Torre da Guia |