Quando eu lancei o romance “A QUADRATURA DO Ó, ou a maravilhosa estória do fanzoca que idolatrava Emilinha Borba” (Brasília: Thesaurus, 1979), há quase trinta anos atrás, um repórter de Campinas (SP) tentou me encurralar ou surpreender com uma pergunta capciosa: [O personagem do livro era um homossexual, mas na versão mais ostensiva: um travesti).
— O que você responderia se eu perguntasse se você é gay?
— Eu responderia que eu sou um escritor. Gay é o personagem de meu livro.
Em verdade, ele não usou a palavra gay —que uso aqui para atualizar o tema — mas “bicha”, um termo pejorativo. Mas eu continuei:
— Você está querendo saber é, no fundo, se eu sou viado, que é o que os seus leitores vão efetivamente interpretar por “bicha”.
O romance em questão trata justamente desses preconceitos e até das humilhações a que estão sujeitas as pessoas que fazem esta opção em suas vidas – a de ser homófilos. Eu usei a palavra, mesmo incorretamente, para contrapor à homofobia que imperava naqueles tempos — hoje também, só que naquela época (a “estória” transcorria nas décadas de 50 e 60 do século XX), era oficialmente, repressivamente, considerando as relações homossexuais não apenas imorais e pecaminosas, mas também criminosas.
O repórter ficou encabulado com a minha resposta. Duvido que ele tenha publicado a entrevista usando estes termos, naqueles tempos de ditadura e censura.
Agora eu não me referiria à questão do homossexualismo como uma “opção” — no sentido de “escolha”, de “livre arbítrio”. Seria o caso de considerá-lo como uma condição humana, um direito humano.
Um entrevistado da revista VEJA, ao falar de sua condição de gay (termo chic, próprio de um jovem da alta sociedade, embora o termo seja de uso cada vez mais generalizado), não quis ser confundido com os travestis, os “caricatos” das passeatas do “orgulho gay” que acontecem em nossos dias. “Caricatos” foi a expressão preconceituosa que o entrevistado usou.
Realmente, o que mais aparece nos jornais e TV são eles que fazem a festa dos repórteres e fotógrafos, mas nas passeatas saem milhares de seres menos excêntricos, que passam despercebidos, que não chamam a atenção por não serem efeminados; ou chamam por serem viris, por sua musculatura. Sem esquecer que às passeatas também vão os simpatizantes e apoiadores do movimento de liberação.
Em sentido contrário à aversão do entrevistado gay pelos “excêntricos”, nenhum heterossexual se sente envergonhado quando vê seus “iguais” em situações ridículas de machismo exibicionista... Pode achá-los inconvenientes, brutos, primitivos, mas nunca uma “opção” ou diferenciação sexual determinada.
Vencendo os preconceitos, é possível que a ciência nos revele, através de pesquisas, que a “diferença” não é apenas de tipo comportamental ou cultural, mas de ordem genética. Quem sabe, especulando, assim como chegaram a determinar novos elementos para o átomo ou a descoberta de novos universos, não nos revelem a existência de outros sexos, ou de outra classificação que não seja esta maniqueísta do macho e fêmea? E que o arco-íris inclua outras “opções” (sic), ou melhor, a diversidade sexual em novos paradigmas.