Agressão à imprensa e à democracia
Carlos Alberto Di FrancoNuma ação claramente orquestrada para intimidar jornalistas e empresas de comunicação, fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus desencadearam dezenas de processos por dano moral contra os jornais
Folha de S.Paulo,
O Globo,
Extra e
A Tarde.
O estopim da enxurrada judicial foram duas reportagens rigorosamente jornalísticas. Os jornais
A Tarde (Bahia) e
Extra (Rio de Janeiro) noticiaram a agressão a uma imagem de São Benedito por um seguidor da Igreja Universal. A
Folha de S.Paulo, por sua vez, publicou em dezembro uma extensa e bem apurada matéria mostrando como o fundador da Universal, o “bispo” Edir Macedo, usou o dinheiro do dízimo para montar um império empresarial.
Segundo a reportagem da jornalista Elvira Lobato, a Universal é a maior proprietária de concessões de TV do País: são 23 emissoras de TV e 40 emissoras de rádio registradas em nome de pastores. A Igreja arrenda 36 rádios que integram a Rede Aleluia. De acordo com o levantamento feito pela
Folha, Edir Macedo é dono de 99% das ações da TV Capital, geradora da Rede Record em Brasília; 50% da TV Sociedade, de Belo Horizonte; 48% da TV Record do Rio; e de 30% da Record de São José do Rio Preto (São Paulo). O “bispo”, ademais, controla dois jornais diários, duas gráficas, quatro empresas de participações, uma agência de turismo, uma imobiliária, uma empresa de seguro de saúde e uma de taxi aéreo, a Alliance Jet.
Nos processos contra a
Folha e a jornalista Elvira Lobato, fiéis e pastores da Universal pedem indenizações de R$ 1 mil a R$ 10 mil. Os valores são notavelmente modestos, sobretudo em se tratando de ações de dano moral. A fundamentação beira ao ridículo. Nas ações contra o
Extra, por exemplo, os autores alegam que objetivo do jornal ao noticiar a agressão a uma imagem de um santo católico não foi informar, mas estimular a “ira” dos católicos e criar um clima de “perseguição religiosa”, submetendo os fiéis da Universal ao “risco diário de sofrer agressões físicas e discriminações”.
A iniciativa da Igreja Universal do Reino de Deus de incentivar fiéis a moverem ações de indenização em juizados especiais, nas mais distantes cidades do País, contra jornais e jornalistas, revela uma clara tentativa de intimidação da imprensa e agride a liberdade de expressão e a própria democracia. Os jornais foram obrigados a contratar advogados em várias regiões do País. Além disso, como várias audiências foram marcadas no mesmo dia e em cidades distintas, algumas de acesso muito difícil, os diários foram submetidos a uma alucinante maratona judicial para defender suas empresas, seus funcionários e o elementar direito de informar. A TV Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, usou, recentemente, grande parte do programa
Domingo Espetacular, no horário nobre, para atacar a imprensa e ameaçar o trabalho de repórteres.
O Judiciário, felizmente, já percebeu a má-fé dos reclamantes e a flagrante coordenação das ações de dano moral contra jornais e jornalistas. Os textos das ações são parecidos, com parágrafos idênticos, o que sugere, dizem os juízes, que houve ação orquestrada pela Igreja. No total, há 56 ações de fiéis da Universal contra a repórter Elvira Lobato e a
Folha. Cinco delas já foram extintas. Houve dois casos em que, além de extinguir o processo, os juízes ainda condenaram os fiéis por usar o Poder Judiciário de forma indevida. Eles terão de pagar custas e despesas processuais, além de multa. Para o juiz Jayme Martins de Oliveira Neto, da 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, o juizado especial foi criado para ajudar o cidadão comum no acesso à Justiça. “Quando se verifica que o sistema passa a ser utilizado de maneira que foge a esses padrões, ou por má-fé ou porque os argumentos são repetitivos, idênticos em pontos distantes do País, o sistema passa a ser desvirtuado com evidente prejuízo para a defesa.” Foi o que aconteceu. Rigorosamente.
O episódio, lamentável, pode ser a ocasião para um aprofundamento nos critérios de concessões de TVs no Brasil. A organização presidida pelo “bispo” Edir Macedo, com seu braço financeiro no paraíso fiscal de Jersey, não tem sido um modelo de transparência. O suposto desvio do dízimo dos fiéis para suas empresas de comunicação deve ser rigorosamente apurado. As empresas de comunicação brasileiras têm donos conhecidos, pagam impostos e seguem critérios éticos na comercialização de seus espaços publicitários. Empresas de comunicação sérias são construídas com trabalho, ética e transparência.
Estratégia da
Igreja Universal vai
contra os interesses
da sociedade
A liberdade religiosa está na raiz da cultura brasileira. E deve ser preservada. Mas não pode servir de subterfúgio para ações comerciais e financeiras nebulosas ou ambíguas. A tentativa de censura, antidemocrática e inconstitucional, promovida pela Igreja Universal não visa a defesa da liberdade religiosa. O que se pretende, de fato, é impedir a circulação de informação incômoda aos interesses do grupo. O Brasil vive, de fato e de direito, num clima plenamente democrático. Mas sabemos, todos, o que supôs a longa travessia rumo à plenitude democrática.
A estratégia da Igreja Universal, cuja ponta do iceberg emergiu na recente cascata de ações contra a imprensa, é uma proposta contrária aos interesses da sociedade. É uma bofetada numa história pavimentada no respeito e na tolerância.
Tranqüilizou-se a opinião pública com a rápida e sábia decisão do Judiciário. Mas, ao mesmo tempo, espera que se promova a devida apuração sobre os negócios do empresário Edir Macedo.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do
Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. E-mail: difranco@ceu.org.br.
Fonte: Master em Jornalismo, Domingo, 24/02/2008, e
O ESTADO DE S. PAULO – Espaço Aberto, Segunda-Feira, 25/02/2008, Página A2.
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“Fora da VERDADE não existe CARIDADE nem, muito menos, SALVAÇÃO!”LUIZ ROBERTO TURATTI.