Flagrado em escuta telefônica ao combinar a suposta partilha de alta quantia em dinheiro de origem desconhecida, o ex-governador do DF, Joaquim Roriz, tentou se explicar, alegando tratar-se de empréstimo para pagar a compra de uma bezerra. Mas como os encantos da pequena mimosa não teriam convencido a Justiça, Roriz tratou de renunciar rapidamente, deixando o cargo de senador, que ocupava quando o assunto ferveu. A história seguiu e, pouco tempo depois, a Justiça autorizou a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de Roriz, do empresário Nenê Constantino e de outros nomes.
A quebra do sigilo foi notícia de destaque ao final do dia 26.02.2008, principalmente na internet e nos telejornais. No dia seguinte, muitos leitores de Brasília foram logo cedo conferir a repercussão na capa do maior jornal do DF. Eis então que se depararam com esse destaque de primeira página: "MAIOR ASSALTANTE DO PAÍS SE ESCONDIA NO DF".
Assustador para alguns, desconcertante para outros. Mas com muitas nuances, entre o cômico e o trágico.
Cômico se imaginarmos o que se passou na cabeça dos que só puderam ver o título, naquele primeiro momento. Trágico se imaginarmos a conclusão dos que leram tudo e raciocinaram um pouco.
Acontece que naquela edição do jornal (Correio Braziliense) não havia destaque algum sobre a quebra do sigilo de Roriz. A manchete sobre "o maior assaltante do país" se referia a outro suspeito em apuros. Dizia respeito ao suposto líder do assalto ao Banco Central em Fortaleza. É bem verdade que o CB divulgou a notícia sobre a quebra do sigilo de Roriz, antes até dos grandes jornais. Mas em matéria interna, na página A-11, na edição de 26.02.2008, quando a opinião pública não estava atenta ao assunto. Mesmo assim, para publicar essa nota o jornal adotou o complicado artifício de produzir um título que não dava nomes aos bois: "Operação aquarela: Justiça decreta quebra de sigilos de envolvidos".
Se o jornal que está geograficamente tão próximo de um fato dessa dimensão parece amenizá-lo, no mínimo é de se supor que põe em dúvida sua credibilidade. Em casos assim, a tentativa de ocultar o que é público costuma expor o que é velado, pois dá margem à interpretação de que se posiciona em favor de alguém envolvido no episódio.
Caso tivesse dado mais peso à notícia, talvez não despertasse a leitura crítica. Mas curvar-se à bezerra de ouro não é uma boa idéia. Contraria o dito popular e arrepia as barbas do profeta. Com a sabedoria popular, aprendemos que curvar-se em excesso geralmente expõe ângulos que melhor ficariam se bem cobertos. E, segundo as Escrituras, a adoração ao bezerro de ouro foi uma maldição que revoltou os céus e puniu os idólatras.
No mais famoso episódio em que a reverência a um quadrúpede chegou ao parlamento, o caso provocou mal-estar e revolta. Mas Calígula, possuído pelos próprios delírios, não deu a mínima. Cavalgava e andava, sempre certo de que o cavalo seria um bom senador. E o nomeou.
Não vai aqui analogia alguma entre o imperador demente e os fatos ocorridos em Brasília, a não ser pelo destaque dado aos animais. O fato é que, se Roriz saiu do Senado no mesmo embalo com que chegou lá, uma das explicações mais prováveis está no pinote da bezerra.