Eu sou bipolar igual à cerca de 2% da população mundial, isto levando-se em conta apenas a parte dos que são portadores do distúrbio em grau elevado – os doentes. E daí? Os que apenas têm surtos temporários?
A tristeza e a apatia se tornam a forma de muitos de nós, pessoas que vivemos o mundo pelo lado negativo, tudo cinza como se fôssemos daltônicos. E por quê? Ora, a tristeza é o modo de ser do homem, único animal que sabe que vai morrer, ainda que não possa precisar o dia. Na sua fase mais pessimista, o poeta Hardi Filho escreveu que “A vida é triste da raiz ao fruto / Aqui na terra, onde se vive no erro, Onde o homem bruto mata o seu bezerro/ E vem a morte e mata esse homem bruto.”
Mas a verdade é que bipolaridade é uma doença. Não se sabe bem se de origem física ou mental, se adquirida ou genética; certo é que medicamentos são aplicados pela medicina, em conjunto com medidas de profilaxia social, como o trabalho (principalmente em grupo), a meditação, a oração, a leitura de bons livros, etc. Ou seja, deve ser tratada com seu antídoto: humor, coisas agradáveis (nada de muita solidão) e estímulos outros para ajudar o paciente a recuperar sua auto-estima.
A depressão grave predispõe a pessoa a outras doenças graves, por isto não se deve descuidar dela. Saber sair das crises, ileso. Não deixar prolongar as novas quedas. É difícil porque ela é traiçoeira. Mas quando você se lembra de que passou algum tempo na vida sem sentir gosto pra nada: comida, bebida sexo; sem vontade de sair à rua, sucumbindo em bobagens negativas... E tem consciência de que isto não é normal, pronto. Você vai à busca de todas as suas forças, tomando remédio, conversando com os familiares e amigos, expondo a situação, lendo livros bons, assistindo a filmes positivos (sem ficar totalmente ocioso). Vai à busca de alimentação melhor, sem deixar a insônia instalar-se (nem a depressiva sonolência). Esse é o caminho.
Eu sou um depressivo crônico, já sofri muitas crises graves, mas aprendi como evitar, com alimentação e medicamentos moderados, trabalho intelectual e material, também leves, divertimentos, etc. Sim, sou um bipolar, e daí? Sou escritor e não estou sozinho, muitos foram assim. Antero de Quental e Fernando Pessoa, pra começar com grandes poetas da nossa língua, eram maníaco-depressivos: – Outrora, na antiguidade, o nome do distúrbio era melancolia; depois trocaram para PMD (psicose maníaco-depressiva). Modernamente tem o apelido de TB (transtorno bipolar).
Desde Aristóteles, não foi respondida a pergunta: Existe alguma relação entre o portador de melancolia, mania depressiva ou bipolaridade e a criatividade de homens de gênio – escritores, filósofos, cientistas e artistas?
Balzac, Hemingway, Virgínia Woolf, Hans Cristian Andersen, F.Scott Fitzgerald, Gógol, Graham Green, Ibsen, Edvard Munch, Joseph Conrad, Herman Melville, Emily Dickinson, Florbela Espanca, Mary Shelley e Robert Stevenson já foram enquadrados na categoria da bipolaridade. Assim, tenho consciência de que estou em boa companhia. Mas não é mole viver com esse distúrbio. Ele faz a gente sofrer muito e ninguém sabe.
As pessoas nos dizem: “Ah! Você não apresenta nada de doente, você é normal”.
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*Francisco Miguel de Moura – Membro da Academia Piauiense de Letras, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí.