(Este artigo de Washinto Novaes foi publicado no Estadão de hoje dia 13.junho.2008 - sexta-feira. Não é por ser sexta dia 13, mas sim por causa da realidade que se projeta sobre a humanidade de uma maneira decisória, ou seja: ou entramos nos eixos e respeitamos a natureza, ou ninguém sobreviverá para contar aos netos, daqui aproximadamente 100 anos será tarde demais. Então nossos descendentes serão vítimas de nós mesmos!)
Um clima para ricos, outro para pobres
Washington Novaes
Com o frio no Sul brasileiro produzindo uma sensação térmica de 15 graus abaixo de zero, a chuva em Natal (RN) chegando a mais de 200 milímetros em 24 horas, os produtores nacionais de cana-de-açúcar prevendo uma redução de 15% na safra 2008/2009 por causa do “excesso de chuvas”, chega-se neste fim de semana ao encerramento de mais uma reunião dos países que fazem parte da Convenção do Clima. Ainda sem acordo relevante quanto ao texto (que tem prazo até o final do ano que vem para ser aprovado) que substituirá o Protocolo de Kyoto, em vigor até 2012. Mas com outro alerta grave para o Brasil, emitido pelo estudo da Coppe (UFRJ), de que as mudanças climáticas ao longo deste século poderão levar a uma redução da vazão dos rios no Nordeste (até 26,4%), no complexo Araguaia-Tocantins (15,8%) e em outros rios, com a conseqüente queda média de 10,8% na vazão utilizada para geração de energia elétrica. Essas mudanças poderão também baixar em 60% o potencial eólico, inviabilizar no Nordeste a produção de biocombustíveis derivados do girassol, da mamona e do dendê e aumentar em 8% o calor no País.
Apesar disso tudo, ainda não temos uma política nacional para mudanças do clima, que está sendo prometida pelo governo federal para daqui a alguns meses (mais de 16 anos após assinarmos a Convenção do Clima). E insistimos em não assumir compromissos formais de redução de emissões. O Itamaraty segue falando em “passos mensuráveis, verificáveis e reportáveis”, sem que se saiba exatamente o que isso significa. Informa-se apenas que o País insistirá em que haja no novo texto discutido na convenção um formato para que países industrializados paguem, se houver redução de emissões em territórios como o nosso por causa de desmatamentos e queimadas. Mas a fórmula até agora proposta - calcular a redução sobre a média do desmatamento em uma década e sem metas estabelecidas previamente - não tem encontrado apoio.
Na abertura das conversações de Bonn, o secretário-geral da convenção, Yvo de Boer, lembrou que se estão acentuando as mudanças do clima, que já são “ameaças monumentais” para bilhões de pessoas. Por isso precisamos de um acordo mais forte que o de Kyoto (que ainda não foi cumprido pelo conjunto de países industrializados), já que “a redução de emissões determinará o nosso futuro na Terra”.
Surpreendentemente, nesses mesmos dias, em discurso na Eslovênia, o presidente Bush afirmou que é possível, antes do término de seu mandato, em janeiro, chegar a um pacto para reduzir as emissões - desde que China, Índia e outros países emergentes (onde se inclui o Brasil) aceitem compromissos de reduzir as suas, o que não está à vista no horizonte. Nem no panorama interno de seu país, onde o Senado acaba de impedir a aprovação de uma proposta que estabeleceria taxação sobre emissões de geradoras de energia, refinarias, indústrias e outros setores, para baixar em 2% ao ano essas emissões. Mesmo assim, algo está acontecendo ali por causa da alta do preço da gasolina (mais 20% de janeiro a abril, mais 200% em uma década): não só o consumo de combustíveis por automóveis tem caído 13% a cada dólar de alta no preço, como chega a 25% a queda no consumo dos superutilitários. E, pela primeira vez, um relatório científico endossado pela Casa Branca admitiu a contribuição das ações humanas para o aquecimento global, as mudanças do clima, as secas, as inundações, a perda de colheitas, etc.
O susto não é apenas norte-americano. O Japão (o quinto maior emissor) anuncia que até 2050 pretende reduzir entre 60% e 80% suas emissões. O Parlamento alemão aprovou pacote de leis para reduzir as emissões nacionais em 36% até 2020 (calculadas sobre 1990), mais que o conjunto da União Européia, que quer baixar as suas em 20% no mesmo período. Para tanto a Alemanha vai aumentar de 13% para 25% a 30% a participação das energias renováveis em sua matriz energética e torná-las obrigatórias em todos os novos edifícios. A chefe do governo, Angela Merkel, propõe que cada país calcule qual é a emissão média de poluentes por pessoa em seu território e assuma metas que tenham isso como base - o que faz sentido, já que um norte-americano emite quase sete vezes mais que um chinês ou o dobro de um europeu (embora a China já seja o maior emissor, seguida de EUA, Rússia e Brasil).
Há muitos dramas no caminho, que voltarão a ser discutidos em agosto, em Gana. Um deles é a alta dependência chinesa do carvão como fonte energética (68%), num país que já tem as 20 cidades mais poluídas do mundo, continua urbanizando dezenas de milhões de pessoas por ano (e aumentando o consumo de energia e alimentos, assim como as emissões de poluentes), mas já está preparando legislação para taxar as fontes de poluição. Outro drama está no setor de transportes no mundo, que até 2010 terá aumentado suas emissões em 30,5% (calculadas sobre os níveis de 1990). E que em 2030 poderão ser até 80% maiores que as de hoje.
Até o nível do debate com os chamados “cientistas céticos” está mudando. Embora muitos continuem a afirmar que a redução das emissões de gases não resolverá o problema do clima - porque o aquecimento da Terra teria outras razões preponderantes -, nos últimos tempos muitos deles passaram a admitir que as ações humanas, de fato, têm contribuído para o aumento da temperatura, embora não seja este o fator principal e determinante das mudanças climáticas.
Seja como for, convém prestar atenção às palavras do vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Mohan Munasingh, numa conferência no mês passado na Universidade de Cambridge: “Se nada for feito, as mudanças climáticas poderão levar-nos a uma barbarização no mundo; os ricos se fecharão em comunidades confinadas e protegidas, enquanto bilhões de pobres terão de viver nos lugares destroçados.”