Vencendo os tempos, composto à mão ou impresso, o texto simboliza um modo novo e dinâmico que colaborou na construção do indivíduo, libertando sua subjetividade, ao possibilitar a abertura para uma totalidade inteligível sintonizada por outras experiências e reproduzida em texto representativo (mimese) de um mundo vivido em lutas cotidianas e configurado enquanto mônada (síntese do universo).
Nas raízes desse mundo social em que vivemos contemporaneamente, mas que carrega nossos antecessores e sucessores, a linguagem se insurge como regra e sinal de existência virtual, expressão verbal, vocabulário, sistema de signos específicos de cada grupo, unidade que se efetua como expressão comunicativa através do discurso, da exposição metódica sobre fatos da vida humana. O discurso, então, se torna a realização da linguagem como evento, acontecimento no tempo e que se remete a um locutor, que apreende as significações veladas na linguagem.
O discurso, desse modo, é uma composição de dois importantes fundamentos: o evento e a significação. Indutor e induzido que simultaneamente se alimentam e se manifestam em novo ato, num processo contínuo de renovação em direção ao infinito.
O discurso, ao se manifestar como um mundo interpretado pelo locutor na sua temporalidade, se objetiva no texto e se coloca a salvo da destruição, mas ganha outra configuração ao virar escrita, se torna apenas significação. Aquelas características de evento que compõem o discurso, como situações comuns ao locutor, são perdidas, e o texto ganha vida própria e agora ele é pura significação, é código, e passa a sustentar sua autonomia na referência do valor de verdade e em sua pretensão de atingir a realidade. Nisso se passa a entender que o auditório busca no texto aquilo de que se falou, o mundo que o texto revela, independentemente de quem seja o autor ou o que ele desejava. Essa evidência, no entanto, não elimina a presença da subjetividade do autor que se deixa inserir na objetividade do texto, em razão da dimensão interpretativa que institui o conteúdo do escrito.
A escrita agora, na sua autonomia, revigora-se em cada leitura. A significação do texto, que está velado na objetividade do código estruturado pelo autor em forma de conteúdo, é desvendada pelo leitor que efetua a apropriação subjetiva do conteúdo no contemplar o mundo do texto a partir de um novo tempo, o do leitor.
É nesse sentido que o leitor, ao compreender o texto, compreende-se diante do texto, cresce seu mundo ao possibilitar a abertura do ângulo de seu olhar, ao perceber um horizonte mais dilatado do universo a seu redor, criando novos significados, antes inimagináveis pelo autor do texto. Na leitura, então, o que se procura é compreender a significação obtida do mundo do texto segundo a capacidade subjetiva de compreensão do leitor.
Alargar-se o olhar com a leitura é apropriar-se de sentidos para além do que autor pôde auscultar, seja porque inibido pelo distanciamento entre o ato de dizer (o discurso) e o evento descrito, seja porque as carências de seu tempo foram outras, diferentes daquelas vividas pelos leitores. O mundo da obra se modifica sempre na realização de uma nova leitura, dado que é impossível mostrar a coisa de que fala o autor como sendo situação comum aos interlocutores do diálogo (leitor – leitura).
Não se apaga aí, no entanto, uma questão de base, que compõe o discurso quando se torna texto, a referência de verdade e a pretensão de atingir a realidade como expressão da vontade do autor. E o mundo do texto emerge numa tradução daquilo que um dia foi vida ativa, ação humana.