Pior é que não cometi nenhum crime. Melhor dizendo, cometo-o agora, nessa ira que me assalta e me bebe o sangue. Meus horários, minhas exatas horas, com todos os segundinhos de natural atraso, quero me aconchegar na mediocridade! Insignificâncias microscópicas brincam de entortar a minha vida uniforme e reta. Assino a minha própria sentença: com um risco perfeito, condeno-me à perpetuidade sem relógio. Silêncio e pausa. A juventude passa sempiterna (Risos de felicidade, logo agora!). Vendedores de frutas correm de policiais. Quisera tanto ser uma tartaruga para carregar minha casa nas costas!
Quem manieta esse universo tenho certeza de que é essa moça que brada a plenos pulmões: - Cento e vinte e cinco! - esse o seu grito heróico, ameaçador.
Olhos vítreos, fagulhas inclementes:
- Cento e vinte e cinco! - o mesmo número gravado no papel suado que guardei até agora: minha senha.
Desfaço-me dessa relíquia e entrego minha alma à moça-general. Contemplo os algarismos no papel drapeado. Cento e vinte e cinco é o meu preço, então é isso!
Levanto-me, submissa, caminho em direção ao balcão-trincheira da moça-general, mas, a dois passos de seu busto esculpido em cera, amasso sem alarde o papel, dou meia-volta e ganho a liberdade de todas as horas.