O filme de Mel Gibson “Paixão de Cristo” desenterrou dos escombros de iniqüidades dos cultos religiosos, a verdade absoluta de que os padecimentos de Jesus foram, excepcionalmente, os mais cruéis, mesmo naqueles obscuros tempos, ultrapassando e muito os limites da resistência humana. A exacerbada religiosidade, ou ainda o fanatismo desavisado cegou de tal maneira os atuais seguidores de Cristo que, não acreditaram e muitos ainda não acreditam na extraordinária versão do diretor Gibson. Afeiçoados as suas boas vidas, os protestos de líderes religiosos foram a tônica conseqüente do filme, a nosso ver a mais próxima da realidade. E protestaram de maneira infantil. Sem procurar enxergar nas últimas doze horas de Jesus as mais reais e prováveis extravagâncias, no que concerne à tortura de um ser humano.
Por que este realismo? Porque os atuais cristãos, totalmente afastados dos verdadeiros propósitos do Evangelho, hipnotizados pelo supermaterialismo, pelo excesso de sensualismo, pelas iniqüidades da vida material, necessitavam e necessitam compreender a veracidade dos fatos, que consumaram a vida terrena do maior Emissário celeste que já pisou neste planeta. Compreensão esta, sempre refutada ou pouco avaliada pelo mundo cristão. Com o filme, o cineasta Gibson trouxe o debate novamente. Trouxe uma nova verdade não assimilada, ou recusada por aqueles que não apreciam, ou não observam o sofrimento alheio. Não há opiniões, nem crenças, que sejam maiores do que a verdade provada e comprovada.
A morte por cruz era o insulto decretado para as castas inferiores, cujos crimes eram de roubos, assassinatos, revoltas contra o poder vigente, as fugas de escravos, escravos rebeldes, ladrões e assassinos. Todo aquele que o poder de Roma execrasse, tinha o terrível destino de morrer na cruz. Claro que mediante julgamento quase sempre sumário.
A cruz permaneceu tradicional como instrumento de tortura e morte, porque os padecimentos eram prolongados. Os próprios carrascos apreciavam essa fórmula, uma vez que os deixavam à vontade. Bastava pendurar o condenado na cruz, quebrar-lhe as pernas para evitar a fuga e o resto era sossego. Esperar que o condenado morresse, o que demorava dias. E até uma semana, dependendo de quantos corvos, ou urubus havia na região.
Quando, porém o condenado era um criminoso odiado, tanto pela população quanto pela autoridade e os carrascos, então a morte na cruz acabava por ser rápida em razão das torturas e sevícias anteriores. Chegando ao local da crucificação o condenado já estava mais morto do que vivo. E, neste caso a cruz era um consolo final. Isto era uma constante no império romano. A morte na cruz poderia ou não ser abreviada, dependendo do que se fazia antes da crucificação com o condenado. Se este era levado íntegro ao local da crucificação, todos já compreendiam que a morte daquele condenado era a mais penosa de todas, em razão da demora. Os músculos dos braços travavam e endureciam. As dores penetrantes eram irresistíveis com a agravante de não se interromperem, porque não havia como movimentar os braços. Quase ninguém consegue permanecer com os braços abertos durante vinte minutos. E se o fizer ficará com dores difíceis de suportar ao final desses vinte minutos. E ainda havia os urubus, os quais já estavam acostumado com aquele cardápio alimentar.
Talvez os céus tenham ficado sensibilizados com aquela tragédia humana, que já durava milênios. Com a vinda de Jesus a cruz foi posteriormente abolida.
A contundente prova de que o Mestre Divino foi torturado excessivamente, antes da crucificação, é patente e irrefutável. A humanidade não desejando imaginar, o seu mais idolatrado filho de Deus torturado, humilhado e depois morto na cruz de forma abominável, esqueceu-se do pormenor de que três horas foram a duração de Cristo na cruz, quando uma crucificação e morte perfaziam vinte dias ou mais em condições diferentes de tratamento.
E evidente e louvável tentar esquecer isso tudo. É humano. E apostamos que o próprio Jesus apreciaria o fato de todos nós esquecermos daquele instrumento terrível. Bem que poderíamos lembrar de Jesus como um homem normal, longe da cruz, longe da humilhação de que foi alvo. Contudo, se ainda insistimos em examinar aquelas cenas sanguinolentas é porque vivemos num mundo semi-selvagem, violento e cheio de misérias humanas. Temos esquecidos das lições do Mestre. Temos olvidado suas mais sublimes palavras, constantes de Seu precioso Evangelho. Temos esquecidos de Jesus. Temos esquecido de nosso próprio destino, quando perdemos na memória as lições de Jesus. E hoje, depois de tanto tempo, só enxergamos Jesus pendurado numa cruz. Por que será que ainda não O tiramos da cruz?
Jeovah de Moura Nunes
escritor e jornalista
jeovahmnunes@hotmail.com
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