Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras.
Gostaria de escrever um ensaio de profundidade filosófica e social sobre o poder de cada pessoa, porém me falta conhecimento – sempre falta – e aqui também espaço. Tenho por norma não discutir acaloradamente assunto muito pessoal com mais de uma pessoa. É que se não avalio o poder duplo que teria o outro lado de mim, sempre sairei derrotado. Meu poder ficará diminuído, pelo menos naquela questão. Muitas brigas, indisposições, intrigas, guerras têm nascido desta falta de saber: “Ninguém conhece ninguém, senão a partir de si mesmo.” O poder que cada um tem dentro de si como pessoa e como entidade física – a da espécie humana – é o primeiro poder. Embora ninguém sozinho ultrapasse o valor do indivíduo capaz de buscar sua sobrevivência e reprodução. Mas, inseridos na sociedade – e todos nós estamos – nos investimos de direitos e obrigações. Uns e outros nos cercam por todos os lados e ficamos como seres dependentes e ao mesmo tempo influenciadores, determinantes de mudanças no comportamento dentro da área da própria atuação. Por isto há a distinção entre psicologia social e individual. E por isto também os políticos procuram açambarcar a maior quantidade de poder possível, riqueza e glória, cercando-se de amigos, correligionários, empregados, familiares e do “povo” em geral. Costuma-se dizer que “vendem a alma” para não perder “a boquinha”, a mordomia. São servos do falso poder, a força invisível que domina a maioria e as minorias. E o povo age como escravo. Povo? Esta palavra designa uma entidade de massa informe, maleável, fungível. Todos os filhos do povo vivem buscando a liberdade e o poder, mas raramente conseguem: ficam com a responsabilidade do trabalho, da família, da ética e de outras relações sociais pouco identificadas.
A busca do poder é uma constante, mesmo que imperceptível. Todos os homens nascem livres, como diz a “Declaração dos Direitos Humanos”, e essa liberdade dá uma sensação enorme de poder. Mas o homem, filho da natureza (ou de Deus), conforme a crença que o habite, quando vê sua liberdade e seus desejos ameaçados, por vezes se torna ameaçador, despótico. É que ainda não se deu conta de que há muito da vida que ele pode mudar, mas é infinitamente mais o que é impossível dominar. A realidade é maior do que a vontade. E toda a sabedoria do mundo está em “mudar o que se pode mudar e aceitar o que não é passível de mudança pela vontade de um ou mesmo de muitos, a morte, por exemplo.” Toda a sabedoria da vida está no conhecimento dos limites do poder pessoal, humano, como também naquele de sua condição de indivíduo.
A morte é uma realidade que não podemos mudar, obstaculizar. A mais temível. E é por causa dela que o mundo vai para frente, já dizia um dos clássicos filósofos, cujo nome não me vem à memória.
Tendo sempre presente as questões da vida diante da morte e do bem diante do mal – este a remeter-nos à moral e aos costumes – quando lancei meu terceiro livro, “Universo das Águas”, em 1979, elogiado por Carlos Drummond de Andrade (é mole?), do que se comemoram os 30 anos de sua edição, fiz o poema “O reino das trevas”: “Só os que mandam morrem duas vezes: / quando caem na vida e quando baixam à cova, / por isto precisam de legendas, / inscrições AQUI JAZ... / encomendas, rezas missas, convites, / discursos / biografias / falatórios/ (seus feitos memoráveis ficaram inscritos/ no livro da história...) / que história? / a escrita nos cartórios? // Só os que mandam morrem duas vezes / e precisam dos mortos para o seu reino de trevas.”
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*Fraancisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e de outras entidade literárias e culturais, com mais de 30 livros publicados. Colabora nos jornais brasileiros e em jornais de Portugal e em períódicos da Espanha, França e Itália, onde tem poemas traduzidos e publicados. E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br