Caracas, 03/08/2009, (IPS) - As antenas de 32 emissoras de rádio e duas de televisão deixaram de transmitir no último sábado na Venezuela, entre elas as da rede de rádio CBN, a de maior audiência e de linha editorial opositora, após a decisão do governo de encerrar as concessões a um primeiro grupo de emissoras investigadas por inconsistências legais.
A medida, que nos próximos dias pode alcançar 240 emissoras de rádio (40% das existentes no país) e a 45 televisões, se produzi enquanto crescem as vozes de alarme por uma nova lei apresentada no parlamento para punir as pessoas que ao se expressaram por qualquer meio de comunicação incorrerem “em crimes midiáticos”.
“Dizem que se trata de perseguição do governo, mas somente estamos cumprindo o que diz a lei”, afirmou Diosdado Cabello, ministro de Obras Pública, considerado o braço direito do presidente Hugo Chávez, ao anunciar “as primeiras 34 decisões que tomamos”. As freqüências foram retiradas das emissoras por falecimento do titular da concessão – o governo se recusa a aceitar que seja hereditária – por vencimento das licenças sem que tenha sido adequadamente renovada a concessão ou porque a autoridade reguladora das telecomunicações considerou improcedente ou incompleta a solicitação de mudança da titularidade.
A Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), órgão governamental que regula o setor, foi colocado sob as ordens de Cabello há três meses. “Quando tomamos a decisão de democratizar o espectro de radiodifusão estávamos falando sério, e vamos agir agora”, disse o ministro ao anunciar que as licenças retiradas serão entregues a outros. “Quem se sentir atingido em seus direitos que vá ao Supremo Tribunal de Justiça”, acrescentou.
Nelson Belfort, presidente da empresarial Câmara de Rádio, considera que “houve uma pré-seleção muito suspeita das emissoras a serem fechadas. Lamentamos que se possa fechar um meio de comunicação na Venezuela, e ainda mais sem um devido processo”, afirmou. Belbort é o principal proprietário do CBN (Circuito Nacional Belfort), que possui 11 emissoras e ao qual se ligam parcialmente outras 30 em todo o país, com programas de variedades e de informação e com uma opinião editorial de oposição, incluído o popular vespertino “Alô, Cidadão”, transmitido simultaneamente por rádio e televisão. Dezenas de pessoas se aglomeraram diante das emissoras CNB fechadas em Caracas e em outras quatro cidades para protestar contra a medida.
William Echeverría, presidente do Colégio Nacional de Jornalistas, disse à IPS que a entidade “alerta os cidadãos para que reajam e protestem energicamente, dentro da Constituição, diante desta onda de atropelos”. Pelo microfone da CNB de Caracas, momentos antes do fechamento, Echeverría disse: “podem fechar os meios de comunicação, mas não as nossas consciências”. Um comunicado do Colégio de Jornalistas chamou a atenção para “o modus operandi do Estado quando toma a decisão de fechar emissoras: uma sexta-feira, bem tarde da noite, véspera de 1º de agosto, certo de que o país estivesse distraído em suas férias”, pois esta é a época de férias escolares na Venezuela.
“Com esta medida o governo deixa sem trabalho nem perspectivas profissionais jornalistas, operadores, técnicos, engenheiros, empregados e operários”, afirmou Echeverría. A repórter Laura Castellanos, da CNB e que trabalhava na Rádio Caracas TV emissora de sinal aberto fechada há dois anos, perguntou: “O que faço agora. Tenho duas filhas. Cada vez nos fecham mais portas”. A Câmara de Rádio disse em um pronunciamento que o fechamento das 34 emissoras “é uma ameaça às emissoras que se colocam ao lado dos cidadãos, uma ação arbitraria e ilegal que viola a liberdade de expressão, os direitos ao devido processo e à defesa, e o direito ao trabalho de centenas de pessoas”.
A ordem de fechamento das 34 emissoras acontece enquanto se multiplicam os protestos pela proposta que a procuradora-geral da República, Luisa Ortega, apresentou ao parlamento para que sancione uma “lei especial contra crimes mediáticos”. O projeto qualifica como tais crimes “ações ou omissões que atentem contra a paz social, a segurança e a independência da nação, a ordem pública, a estabilidade das instituições do Estado, a saúde mental ou moral pública, que gerarem sensação de impunidade ou de insegurança e que sejam cometidas através de um meio de comunicação social”.
Toda pessoa que “manipular ou tergiversar a notícia, gerando uma falsa percepção dos fatos ou criando uma matriz de opinião na sociedade, desde que com isso fira a paz social, a segurança nacional, a ordem pública, a saúde mental ou moral pública” será castigada com penas de dois a quatro anos de prisão, segundo a iniciativa governamental. A mesma pena será aplicada “à pessoa responsável pelo meio de comunicação”, seja este “impressão, televisivo, radiofônico ou de qualquer outra natureza”. Para a prisão irão os responsáveis por meios de comunicação que, a pedido do Ministério Público, se neguem a revelar a identidade de autores de matérias assinadas com pseudônimos, ou se “de maneira voluntária e injustificada se negarem a informar sobre fatos ou situações cuja falta de divulgação constitua uma lesão ao direito à informação”.
Na Venezuela, o Colégio de Jornalistas, o Sindicato de Trabalhadores da Imprensa, organizações civis com Espaço Público e Expressão Livre denunciaram que o projeto viola a Constituição e exigiram que o parlamento “o rejeite e deixe de estabelecer novos delitos de informação e opinião que existem apenas em sociedades autoritárias”. Com eles se solidarizaram entidades internacionais como Human Rights Watch, Repórteres Sem Fronteiras, Instituto Imprensa e Sociedade (com sede em Lima), o norte-americano Comitê para a Proteção de Jornalistas, a Associação Internacional de Radiodifusão e a Sociedade Interamericana de Imprensa (patronal).
A ministra de Comunicação e Informação, Blanca Eeckhout, apoiou a proposta da procuradora, pois “tanto poder, como o da mídia, tem de ser regulado pela sociedade, e não esqueçamos que o golpe de Estado de 2002 foi orquestrado pelos meios de comunicação”, disse. Em abril desse ano, quando um movimento cívico-militar tentou derrubar Chávez, várias emissoras de televisão fizeram uma cobertura amplamente favorável ao golpe de Estado. IPS/Envolverde