Recordar é viver... Ou, os matemáticos que respondam!
Carlos Claudinei Talli
No dia 20/01/2005, no programa de esportes da TV Cultura ‘O Cartão Verde’, vi o jornalista Juca Kfouri fazer uma chamada para que os telespectadores não perdessem o programa ‘Os grandes momentos do futebol’, que iria ao ar no dia seguinte às 19h30min. Disse, inclusive, que teríamos a oportunidade de assistir a oitenta minutos de um extraordinário futebol, um compacto de 40’ do jogo Brasil x URSS na Copa de 82, e outro com a mesma duração de Brasil x Itália, o famoso desastre do Sarriá, no mesmo mundial.
O referido comentarista esportivo também afirmou que aquele Brasil x Itália foi um dos melhores jogos acontecidos em mundiais, em todos os tempos. E, alfinetando a todos os que ainda hoje enaltecem as qualidades daquela seleção brasileira, assegurou que naquela partida a Itália jogou um grande futebol e que mereceu vencer, contrariando a opinião da maioria dos brasileiros, que considera aquele resultado uma das maiores injustiças do futebol mundial, em todos os tempos.
Depois desse ultimato, e estando eu dentro daquela maioria que considera aquela seleção de Telê Santana uma orquestra sinfônica do futebol, venci a resistência natural que me fez não assistir ao taipe daquela partida durante esses últimos 22 anos, tal a desilusão que aquele resultado provocou, e resolvi pagar para ver. E se eu tivesse guardado na memória, nessas últimas duas décadas, uma falsa impressão sobre o real valor daquela seleção, e, por isso mesmo, estivesse exagerando nas qualidades que a ela atribuía? Se esse fosse o caso, agora seria o momento propício para me retratar, principalmente porque tenho a oportunidade de usar o espaço desta coluna.
Pensando dessa maneira, às 19h30min do dia 21/01/2005, sexta-feira, estava eu lá a postos em frente à televisão aguardando o início do tira-teima.
Pois bem, os 40’ do compacto contra a URSS foram um deleite e uma reafirmação de tudo o que guardara na memória, momentos de êxtase diante da categoria do conjunto brasileiro. A nossa seleção deu uma verdadeira aula de futebol-arte, embora tenha passado boa parte da partida atrás no marcador, devido a uma falha do goleiro Valdir Peres, aliás, a única em toda aquela Copa. Foi um belo aperitivo para o jogo principal, o fatídico desastre do Sarriá.
Nesse, para fazer uma análise mais imparcial e isenta de paixão, fiz questão de marcar quantas chances de gol o Brasil conseguiu criar, e também as oportunidades dos italianos, além, é claro, de observar a fluidez que cada equipe conseguiu implementar no seu jogo.
Após tomar esses cuidados, cheguei a uma estatística que, em minha opinião, não deixa quaisquer dúvidas.
O Brasil criou exatamente 11 situações de gol, contra 4 da esquadra azurra. Tirando os 3 gols feitos, a Itália perdeu mais um através de Paolo Rossi e teve um gol anulado por justo impedimento. E nada mais. O nosso goleiro não fez uma defesa sequer.
E tem mais: o 2º gol italiano foi conseqüência de uma falha individual do excelente Toninho Cerezo, e o 3º, a prova cabal de que aquele era o dia da Itália, porque aconteceu após a cobrança de um escanteio, com todos os jogadores brasileiros dentro da grande área, pois o empate classificaria o Brasil. Além disso, o gol foi obra de um sem pulo totalmente errado que sairia entre o poste direito de Valdir Peres e a bandeirinha de escanteio, mas que, por acaso, encontrou Paolo Rossi no meio do caminho.
Durante toda a partida o Brasil jogou melhor, antes e depois dos gols italianos. E quando, após um esforço imenso, demonstrando um sangue frio e uma qualidade fora do comum, conseguíamos o gol de empate, antes que pudéssemos deslanchar, poucos minutos depois, sofríamos o desempate, nos únicos três chutes a gol que os italianos conseguiram realizar. E o excelente Valdir Perez, que no jogo anterior contra a Argentina tinha fechado o gol com uma atuação exuberante, saiu como entrou, sem ter feito nenhuma defesa.
Além de tudo isso, aconteceu um pênalti claro em Zico – Gentile o segurou dentro da grande área e rasgou sua camisa -, que o juiz não viu ou não quis marcar, e uma defesa portentosa de Zoff, que lembrou em muito a cabeçada de Pelé contra a Inglaterra em 1970, agora de Oscar, faltando 2 minutos para o fim do jogo.
Depois de assistir a esses 2 compactos da Copa de 82, estimulado pela instigação do Juca Kfouri, nunca estive tão certo das minhas convicções quanto àquela seleção brasileira, que considero, juntamente com a de 1958, as duas melhores de todos os tempos. Melhor até que a de 1970.
Sabemos que o ‘se’ não joga, e que quando o Sr. ‘Sobrenatural de Almeida’ entra em campo, tudo pode acontecer, mas, ‘se’ tivéssemos tido o mesmo aproveitamento dos italianos naquele jogo, algo absolutamente absurdo, o placar teria mostrado um extravagante 9 x 3 para o Brasil. Entretanto, perdemos de 3 x 2, jogando uma barbaridade.
Em contrapartida, em 1994, para compensar, jogamos um futebol enfadonho durante 120 minutos, e ganhamos nos pênaltis da mesma Itália.
Em qual dos dois jogos corremos os maiores riscos?