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Artigos-->Memórias Reveladas: Cabo Anselmo e outras histórias -- 31/08/2009 - 10:34 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Folha de S. Paulo - 31/08/2009



Ação de Anselmo é pré-64, diz policial



Diretor do Dops carioca à época do golpe afirma que antes agente duplo da ditadura já era informante



De acordo com Cecil Borer, Cabo Anselmo colaborava com o Dops, o Cenimar e "americanos"; ex-marujo nega delação antes de 1971



MÁRIO MAGALHÃES

A SUCURSAL DO RIO



Diretor do Dops carioca à época do golpe de Estado de 1964, o policial Cecil Borer (1913-2003) afirmou dois anos antes de morrer que o marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, mais célebre agente duplo a serviço da ditadura militar, já era informante da Marinha e da polícia política antes da deposição do presidente João Goulart.

O ex-marujo tornou-se conhecido -em erro sobre seu posto- como Cabo Anselmo. Ele sustenta que só no começo da década de 1970 passou a colaborar com o aparato estatal.

A atividade de Anselmo resultou na morte de muitos militantes da oposição armada ao regime militar (1964-85), inclusive de sua mulher, a paraguaia Soledad Barrett Viedma.

Hoje ele reivindica ser anistiado político, ser reintegrado à Marinha como suboficial, aposentadoria e indenização. Vive escondido, temendo vingança. No processo que tramita na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o marinheiro expulso da Força em 1964 e cujos direitos políticos foram cassados por dez anos diz ter sido vítima de perseguição do Estado.

As entrevistas de Borer ao repórter da Folha foram concedidas em 2001 na apuração para um livro e uma reportagem. Ele autorizou a gravação. Suas declarações contradizem a versão de Anselmo. É a primeira vez que vem à tona relato de integrante de órgão de combate à "subversão" narrando história diferente da do antigo militar.

O policial, denunciado como torturador de presos durante três décadas, teve atuação destacada nas prisões após o golpe de 1964. Aposentou-se em 65.

Ao ser entrevistado pela Folha, ele tinha 87 anos. Narrou "pressões" físicas contra presos, negou a condição de torturador e falou de agentes infiltrados na esquerda.



Fonte "A"

No começo de 1964, Anselmo presidia a AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil). Borer contou que ele já era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da Guanabara, do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e dos "americanos" -a CIA (Agência Central de Inteligência).

Foi categórico: "[Antes de abril de 1964, Anselmo] trabalhava, trabalhava". Para quem? "Para todo mundo." Detalhou: "Ele trabalhava para a Marinha, ele trabalhava para mim, trabalhava para americano". Não esclareceu a data em que o militar teria aderido.

Conforme Borer, Anselmo não foi um infiltrado escalado para se misturar aos marinheiros. O ex-diretor disse que ele foi recrutado pelo Cenimar quando já atuava na associação.

O policial afirmou que as informações transmitidas por Anselmo eram compartilhadas por Cenimar e Dops com classificação "A", exclusiva de fonte de alta confiança. Os organismos tratavam-no por nome em código. "Não havia segredo entre Dops e Marinha. (...) Esse trabalho, essa informação veio do Anselmo, então é classe A."

Borer não se referiu a manobras políticas de Anselmo ordenadas pelos serviços secretos. Seu trabalho consistiria em avisar sobre o que se passava com os marinheiros. A reconstituição das ações deles e de fuzileiros mostra que, embora presidisse a entidade, tinha influência limitada na sua orientação.



"Farsa"

Dias após a queda de Goulart, Anselmo se asilou na Embaixada do México no Rio. Em pouco tempo abandonou o local e se abrigou em um apartamento na zona sul. No dia seguinte, foi detido e levado para o Dops.

Ele disse que o esconderijo foi identificado por agentes seus infiltrados entre exilados no Uruguai. Informaram o endereço a um policial que ignorava a dupla militância de Anselmo, que acabou preso.

Sua condição de informante, diz Borer, era de conhecimento restrito, mesmo no Dops e no Cenimar: "Então Anselmo veio, tá preso, você não vai soltar, que não vai queimar".

Anselmo retomou a liberdade somente em 1966, quando Borer já estava aposentado, ao ir embora de uma delegacia no bairro do Alto da Boa Vista onde estava preso. Lá, ele circulava quase sem restrições.

A fuga foi uma farsa, disse Borer. O objetivo do que descreve como encenação de colegas seus foi infiltrar o agente na esquerda clandestina. Anselmo foi para o Uruguai, onde entrou no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), grupo dirigido por Leonel Brizola.

A seguir, treinou guerrilha em Cuba. De volta ao Brasil, aderiu à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização armada depois dizimada por suas delações. Ex-militar e guerrilheiro, jamais teria participado de ação armada.

Documentos do Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) registram Anselmo como agente a partir de 1971.

Em entrevista ao repórter Octávio Ribeiro, em 1984, Anselmo disse que se entregou por iniciativa própria ao Deops por volta de 1971 e nunca foi torturado. Em 1999, assegurou ao repórter Percival de Souza que foi surpreendido e preso pelo Deops e que o torturaram antes da mudança de lado.

Diretor do Cenimar em 1964, Roberto Ferreira Teixeira de Freitas nega que Anselmo tenha sido colaborador antes de 64. "Isso é mentira!"

Capitão-de-Mar-e-Guerra 45 anos atrás, ele lembrou: "Anselmo era um desconhecido. Apareceu no movimento lá dos marinheiros". Quando se tornou infiltrado? "Não sei. Eu o prendi, depois ele foi para o Dops. O que aconteceu por lá eu não sei", respondeu.







Folha de S. Paulo - 31/08/2009



Delator nega colaboração antes de ser preso em 71



LUCAS FERRAZ

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA



José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, afirmou à Folha que não há prova de que ele seria um colaborador da ditadura já em 1964. Em entrevista por telefone, ele conta que virou agente da repressão após ser preso, em 1971, para não morrer.





FOLHA - Por que o sr. pede reparação econômica ao governo se atuou como agente da ditadura?

JOSÉ ANSELMO DOS SANTOS - Porque eu era um prisioneiro, fiquei preso dois anos. Fui instado: ou vai agir assim ou morre. Preferi viver. Formou-se uma consciência totalmente diferente do que era o comunismo internacional e que aquilo tudo não ia dar em nada.

FOLHA - Arrepende-se da atuação que diz ter tido no pós-golpe de 64?

ANSELMO - Absolutamente. Eu era um otário.

FOLHA - Por quê?

ANSELMO - Olha, você está fazendo perguntas que...

FOLHA - Historiadores dizem, como levantou o ministro da Justiça, que você já era agente em 1964.

ANSELMO - Ele e os historiadores que provem isso. Se [naquele época] eu fosse um sujeito da repressão, da CIA ou do diabo a quatro, você acha que estaria nessa condição que estou hoje?

FOLHA - O sr. tinha noção de que suas informações levariam várias pessoas à morte e à tortura?

ANSELMO - Não. À tortura sim, porque eu mesmo fui torturado. Agora, morte não.

FOLHA - O sr. sente remorso?

ANSELMO - Eu não era da equipe policial. Era um prisioneiro.

FOLHA - O sr. sabia, em 1973, que suas informações levariam seis pessoas à morte, entre elas sua mulher?

ANSELMO - Não. Eu tinha um acordo [com o Dops de SP]. O grupo seria preso e Soledad seria liberada para voltar a Cuba.







O Estado de S. Paulo - 31/08/2009



Papel secreto esclarece morte de guerrilheiro



Exército anotou em 1969 que líder do sequestro de Elbrick morreu por ""ferimentos recebidos""



Em relatório secreto de 8 de outubro de 1969, o Exército assume a responsabilidade pela morte do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, codinome Jonas, que chefiou o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, de 4 a 7 de setembro de 1969. A ação marcou a luta armada contra a ditadura e está registrada no filme O que é isso, companheiro?, baseado em livro homônimo do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que participou do sequestro.

A informação é do jornal O Globo, que teve acesso ao documento confidencial, intitulado "Informação n. 2.600", produzido nove dias após Jonas ter sido capturado e morto.

Os militares não citam a palavra tortura - segundo relatos de presos políticos, ele foi morto a pontapés -, mas admitem que o guerrilheiro morreu em decorrência de "ferimentos recebidos". O prisioneiro estava sob guarda da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo.

"Virgílio Gomes da Silva, vulgo Jonas, vulgo Borges, reagiu violentamente desde o momento de sua prisão, vindo a falecer em consequência dos ferimentos recebidos, antes mesmo de prestar declarações", diz o papel secreto. As informações teriam circulado, segundo o jornal, por dez órgãos militares.

O dossiê sobre Jonas inclui cópias de três documentos e fotos 3x4, com e sem bigode, acompanhadas de uma anotação à mão: "Jonas - Morto - Participou do Sequestro."

FUGA

A versão oficial foi dada em 12 de outubro de 1969, quatro dias após o relatório secreto. O registro - "Relatório de Informações n. 28" -, assinado pelo general Aloysio Guedes Pereira, indica que o preso "evadiu-se na ocasião em que foi conduzido para indicar um ?aparelho? da ALN".

A sigla refere-se à Aliança Libertadora Nacional, que teve 19 militantes capturados após o sequestro de Elbrick.

A viúva de Jonas, Ilda Martins da Silva, de 78 anos, disse que ainda espera encontrar a ossada do marido para fazer o enterro. Segundo ela, esse é um desejo de "toda a família".

Procurado para esclarecer as circunstâncias da morte de Jonas, o Exército respondeu por nota. "O Centro de Comunicação Social do Exército informa que não existe documento na Instituição que registre a ocorrência mencionada em sua mensagem."









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