(Este artigo foi originalmente publicado no Observatório da Imprensa)
Na TV, acabo de ver matéria de um telejornal de Minas Gerais, com 1min17s de duração, falando sobre o acidente com uma carreta que capotou na BR 040. Um só veículo envolvido e nenhuma morte. Mas milhões de feridos. É dessas matérias que mostram mais do que a tela exibe. Dizem mais do que se ouve, para quem ouve as reflexões da consciência. Ensinam mais do que informam, para quem tira grandes lições de pequenos episódios. Ao capotar numa curva, na região de Itabirito, a carreta atirou ao chão uma valiosa carga de equipamentos eletrônicos. Ao perceberem tanta mercadoria no chão, os que por ali passavam foram parando e atacando. Carregaram o que coube nos porta-malas. Só não contavam com a rápida ação da Polícia Rodoviária Federal, que montou blitz em outro ponto para deter os espertalhões. Em pelo menos 16 veículos a polícia encontrou produtos retirados da carga. Esse é o ponto que mais chama a atenção. Os saqueadores não eram pobres famintos em busca de alimentos. Eram viajantes, conduzindo bons modelos de carros, entre os quais alguns de luxo, como se via pelos bancos de couro e outros detalhes. A matéria termina com um agente da Polícia Rodoviária explicando, em tom indignado, que alguém é legítimo proprietário daquela mercadoria e a ação dos motoristas configura furto. Configura mais. Para falar com sinceridade, a reportagem mostra algo de nós. O que ali se viu não é comportamento isolado, mas a velha esperteza sem ética, que não enxerga delito quando os beneficiados somos nós, quando o oportunismo seduz nossa mania de levar vantagem ou outros impulsos menos inocentes. Uma curta matéria para longas reflexões, com cenas que ajudam a explicar históricas perguntas que não calam: por que temos tantos maus políticos, incapazes de resolver problemas nacionais, mas hábeis para saquear recursos públicos? Ora, políticos não são seres produzidos em laboratórios, segundo fórmulas perfeitas. São apenas pessoas nascidas e criadas entre nós e com valores semelhantes aos nossos (é claro que muitos pioram sob efeito do poder). Para se tornarem políticos, são alçados por critérios que não colocam em primeiro lugar a honestidade e a ética. Ao contrário, às vezes se priorizam a disposição para compactuar com a falta de escrúpulos. Algum dia isso terá fim? Em última análise, a resposta mais segura é: quando nós mudarmos. Quando nos tornarmos pessoas melhores, produziremos melhores sementes, que irão gerar melhores frutos. Por mais que nos desagrade admitir, o fato é que, em maior ou menor medida, os saqueadores, os políticos e todos nós somos frutos das mesmas raízes culturais. Enfim, a matéria se destaca pelo que não diz: um acidente com milhões de feridos na auto-estima pelo choque com evidências que gostaríamos de evitar. Uma espetacular derrapagem ética que nos coloca de frente para o retrovisor da autocrítica social.