Fui a São Paulo “lamber a cria”, como a data coincidiu, ficamos felizes com isso e aproveitamos os dias em que ficamos lá para ir à “Festa Joãonina”. A festa Joãonina é a festa de aniversário do João, uma festa junina que acontece todos os anos desde quando meu filho era pequeno e nós morávamos em Santo André. Acho que já faz uns 20 anos que fui à primeira. Antes ela acontecia na casa do João e da Cida, um casal de amigos que temos e de quem gostamos muito. Dia 24 de junho é o aniversário do João, então a festa acontece sempre em um fim de semana próximo. Há alguns anos o casal comprou um sítio em Suzano e as festas Joãoninas passaram a acontecer no sítio. Quando nos mudamos para Resende, em 2000, ficamos longe demais para ir à festa todos os anos, acho que fomos apenas a duas. Agora aconteceu essa coincidência das férias do Nêgo com a festa e lá fomos nós.
Ao todo, fomos certamente a mais de cinco, talvez até mais de dez festas Joãoninas desde que nossos amigos João e Cida começaram a organizá-las e a nos convidar. Pois bem, nessa última teve uma “atração” que nunca teve antes: depois da quadrilha, meu amigo João chamou todos para o centro do campo de futebol, pediu que formassem uma roda, fez um discurso religioso e todos rezaram o pai nosso, a ave Maria e sei lá mais o que. Eu fiquei sentada na mureta da cerca vendo aquilo e me sentindo francamente decepcionada. Onde mais falta entrar essa mania de orações a propósito de toda e qualquer coisa?
Eu realmente gosto, e muito, do João e da Cida. São daqueles amigos que a gente poderia chamar de parente se parente fosse uma palavra de sentido positivo em tempo integral. Eles já estiveram em nossa casa em Santo André e já viajaram mais de uma vez para passar alguns dias conosco em Resende, dias que sempre foram extremamente agradáveis em todos os aspectos. Gostamos deles e gostamos tanto que quando lamentamos o fato de estarmos agora morando em uma kitnete e não em um apartamento grande como o de Resende ou em uma casa grande como a de Santo André para hospedar nossos amigos sempre que nos visitarem, na palavra “amigos” estamos sempre colocando, como parte mesmo do significado desse vocábulo, os nomes do João e da Cida.
Ver aquela roda de oração, que provavelmente passará a ser parte integrante das festas Joãoninas a partir de agora, realmente mexeu dolorido alguma coisa dentro de mim. Fiquei lembrando e meio que listando em quantas situações essa mesma cena tem se repetido ultimamente diante de meus olhos ateus. Não há mais como ver um jogo de futebol sem que se veja a rodinha religiosa ao entrar em campo ou (só dos vitoriosos) ao final da partida. Não há mais encontro pedagógico em nenhuma escola que não inicie ou termine com a rodinha. O apelo religioso invadiu até reunião dos Vigilantes do Peso e reuniões de condomínio.
Sinceramente, essa coisa está me assustando. A história tem mostrado que uma religião forte é um caminho reto para a intolerância. Qual será o combustível das fogueiras piedosas do século vinte e um?
Quando brigam comigo dizendo que estou sendo muito radical nessa minha postura antirreligiosa sou obrigada a pensar. Será que estou mesmo? Estudei em escola pública toda a minha vida, não tive aulas de religião a não ser no curso de catecismo que minha mãe me levou para fazer, nenhuma das duas escolas onde estudei tinha corredores e salas de professores, diretoria e secretaria cheios de cartazes religiosos, imagens de santos, bíblias abertas e frases bíblicas espalhadas por todos os lados, nenhum dos diretores das escolas onde estudei faziam pregações religiosas uma vez por semana ou nas datas especiais como festas cívicas ou primeiro dia de aula.
Será que essa invasão de religiosidade em todos os cantos e horas não é mesmo algo para se combater? Onde está a tolerância? O respeito ao outro está onde mesmo? Seguramente esse respeito não existe quando as pessoas se juntam fora de suas igrejas para fazer orações sem nem sequer pensar na possibilidade de estarem causando desconforto a alguma outra pessoa que não partilhe de suas crenças. Nunca, nunca mesmo cai a ficha para os religiosos, eles nunca pensam que podem estar molestando e causando desconforto a alguém.
Quem molesta sou eu, só eu porque falo contra isso em nome dos ateus, dos agnósticos, dos não cristãos, porque tento defender meu direito e o direito das pessoas que, embora sejam minoria, não querem ficar orando e gritando deus ou Jesus a todo momento, por tudo e por qualquer coisa. Isso que estou dizendo consta na Lei máxima do nosso país: Todas as minorias merecem respeito. E eu diria que as minorias religiosas principalmente, pelo perigo que a intolerância religiosa traz.
Será que não dá pra ver que também temos direitos? Não, parece que os religiosos não veem nada e não raciocinam sobre nada quando o assunto é religião; nem sequer sabem distinguir os direitos mais básicos de todo e qualquer cidadão. Os bons, os melhores deles, os mais acordados, mais críticos, mais lúcidos, mais amigos, mais “João e Cida”, acham que nada pode ser imposto a ninguém sob nenhum tipo de argumento, nem mesmo sob o argumento da maioria. Essas excelentes pessoas defendem os direitos de todos em todos os aspectos da vida social e política. São contrários a todo tipo de coação e constrangimento que se possa impor a qualquer pessoa em qualquer circunstância e em se tratando de qualquer assunto. Exceto suas crenças.