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Artigos-->PAIXÃO DE LEITOR -- 17/11/2009 - 17:04 (Divina de Jesus Scarpim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pequei o livro com amor. É comum, sempre foi, para mim, pegar um livro com amor. Amo os livros, amo a palavra escrita desde que, num deslumbramento mágico, aos 8 anos, descobri que podia ler, foi meu momento de epifania, foi a grande descoberta da minha vida, senti-me importante e, mais que isso, senti-me feliz. Livros para mim sempre foram objetos dignos de amor, sempre tenho aquele respeito-reverência por saber que dentro de um livro existe sempre um mundo, ou vários mundos, ou todos os mundos, uma infinidade de mundos e em algum deles existe sempre a possibilidade de existir o meu mundo.



Reli a contracapa do livro, as orelhas. Reli o que já havia lido nas várias vezes que o ia namorar na livraria, um de meus grande prazeres é namorar livros, gosto de estar no meio deles e namorá-los, acariciá-los com os olhos, com as mãos, com a mente, senti-los. É um namoro que me faz bem, sempre me sinto correspondida. Nunca, jamais saí de entre livros sem levar nada comigo, mesmo nas muitas vezes em que não levo livro nenhum.



Li o primeiro capítulo. Resolvi ter um romance com o livro. Não passei do primeiro capítulo. Fiquei pensando, sentindo o que ele me dizia. O quanto ele me tocava e, principalmente, fiquei pré-sentindo o quanto ele me invadiria. Decidi não lê-lo rapidamente, não ler um capítulo depois do outro, decidi não apenas namorá-lo mas tornar-me sua amante, decidi ter um caso com ele, amá-lo lenta e profundamente. Ler um capítulo, sentir, pensar, escrever esgotar todas as possibilidades e só depois ler o segundo capítulo e ir fazendo assim até chegar ao epílogo. Pensei em conservar esse amor por muito tempo para prolongar esse prazer, como se se pudesse estar sempre escrevendo na primeira página do caderno, decidi vou me dar um prazer parecido. Quem é você? Sou um amontoado de substâncias químicas em reações constantes. Sou um aglomerado de átomos, de moléculas. Sou uma central de descargas elétricas, sou uma usina de lixo, sou uma máquina.



Sou também um ser único, incrivelmente complexo e maravilhoso, a pessoa mais importante do mundo, todas as outras coisas existem para e por mim, sou o centro do universo, tenho a incrível capacidade de pensar, sentir, tomar decisões, me relacionar com os seres e objetos ao meu redor, transformar o mundo e a mim mesma e, o que é mais fantástico, criar outra vida a partir da minha vida. Sou tão grande!



Sou menos do que um grão de areia na praia, sou mais insignificante que uma molécula de água no oceano, minha presença nem pode ser pressentida em se falando de mundos, estrelas, galáxias, anos-luz. Minha passagem nada retira ou acrescenta na vida do universo, o tempo dessa existência é apenas um ínfimo espaço dentro do tempo dos mundos. Eu sou nada.



Sou também uma alma imortal em processo de aprendizagem e crescimento. Em um caminho pleno de descobertas fantásticas. Sou um ser social, sou parte de um todo igualmente grande, igualmente nada. Sou uma mulher, o negro do mundo, a rainha do lar, o depósito de excrementos, a geradora de vida a amante dedicada, a namorada gentil, a prostituta reles, a menina ingênua, a velha rabugenta, a cara-metade.



Quanta coisa descobri que sou só com essas conclusões embora nada novas com certeza dentro do mundo do pensamento humano, sei que já posso me alimentar por toda a vida, buscar respostas e justificativas para todos os meus sentimentos e reações.



De onde vem o mundo?



No princípio era o caos. Como uma apaixonada por mitologia greco-romana, esta primeira frase da história da criação do mundo me ficou, mas desde que a li pela primeira vez não pude deixar de me perguntar, e de onde veio o caos? Se havia algo no princípio então é porque não era o princípio.



Soube que os gregos não admitiam a existência do nada absoluto, aceitei a explicação. Tudo bem, então eles não aceitavam a existência do nada. Mas eu aceito, eu consigo imaginar o nada, ao menos acho que consigo, ou pelo menos pensá-lo, o nada é antes do caos, o nada é o espaço entre as moléculas, o nada é o vácuo, o nada pode ser a morte, ou uma parte do meu sono, a parte em que não sonho. Mas como alguma coisa pode surgir do nada? Aí fica difícil. Do nada pode surgir alguma coisa, como do meu sono pode surgir meu sonho? Somos um sonho?



O átomo é tão parecido com o sistema solar! O universo pode ser um corpo, o sistema solar um átomo desse corpo, a galáxia uma molécula. Mas se for ainda assim a pergunta perdura. Se o universo é um corpo esse corpo pode ter vindo de outro corpo como meu filho veio de mim e o outro corpo de um terceiro e assim por diante até que se pergunte. De onde veio o primeiro corpo?



Suponha que num dos elétrons de um átomo de oxigênio que faz parte de uma molécula das 70% de água que compõe meu corpo exista nesse momento um microsser perguntando-se de onde veio o mundo? A resposta para ele será, veio do mundo-minha-mãe, pois para esse ser o mundo sou eu. Só que ele nunca terá essa resposta porque embora faça parte de mim, estamos tão longe que nem sequer podemos saber um da existência do outro, menos ainda eu de seus questionamentos.



E Deus? Se Deus criou o mundo, quem criou Deus? Para aquele microsser hipotético eu sou Deus e talvez meus sentimentos, meu estado de humor, espírito e saúde podem influenciar de alguma forma nesse mundo tornando nesse caso quase que sensível a minha existência como é para mim e até mesmo para o ateu, quase que sensível a existência de Deus.



Filosofar é ter a capacidade de se espantar com as coisas. Desde que vi essa afirmação pela primeira vez em um livro escolar (e as explicações do espanto) eu o entendi mais como o deslumbramento e se é assim, então eu sou uma filósofa nata, pois vivo me deslumbrando, me espanto com as coisas e uma das coisas que mais me espanta é o fato de eu conseguir não estar espantada, ou deslumbrada em tempo integral apesar de ter tantas razões para isso.



Eu me espanto com uma imensidade de coisas, não apenas com as coisas que não conheço. Me espanto com uma folha balançando mesmo tendo o conhecimento de que é o vento que a move. Me espanto com as bolhinhas que sobem na água prestes a ferver mesmo sabendo que é o aumento da temperatura que as causa. Me espanto e deslumbro e me sinto maravilhada e em estado de graça com o som do sorriso do meu filho e me espanto muito comigo mesma com o que faço, o que sinto, o que penso, como sou. Me espanto com as alterações do meu corpo na curva descendente ainda mais do que me espantei na curva ascendente. Eu sou um espanto e me espanto sempre que percebo que passei algum tempo sem me espantar.



Estou agora me espantando com o papel, sua textura e sua cor, e me espantando estou me perguntando de onde veio, em que floresta cresceu a árvore em que agora escrevo? Como eram as mãos que a derrubaram? Por quantas mão passou essa árvore até chegar às minhas? Como era a vida, o que pensava e o que sentia cada uma delas? Quantos olhos deslizarão por estas palavras caso um dia elas se tornem um livro, alguém o namorará?



Tantos motivos para espanto que me pergunto espantada se não haveria alguma força nos impedindo de ficar espantados para que possamos fazer alguma coisa, para que possamos desenvolver nossos maus instintos, seria Deus o espanto que nos faz ficar maravilhados diante das coisas e de nós mesmos e, conseqüentemente tomá-las com cuidado, respeitá-las e viver em benefício do todo do qual somos uma parte e seria o Diabo o que nos faz esquecer do espanto, seguir a rotina da vida achando tudo natural, depois tedioso e depois desagradável, até soltar nossa má vontade, bloqueando nossos olhos e deixando que vivamos apenas por nós mesmos sem nem mesmo saber de nós. Pode estar aí a razão da afirmação de que o mal e o bem estão em nós mesmos.



No princípio o homem buscava explicação no mito para todas as coisas que não podia entender. Para mim, essa frase pode ser colocada no presente sem faltar com a verdade. Quando criança, eu me lembro que procurava sempre uma explicação “mitológica” para as coisas que não compreendia: meu pai e minha mãe tiveram filhos apenas porque se casaram, o casamento obrigou-os a dormir juntos e nós nascemos, eu e meu irmão dormíamos juntos exatamente como meus pais, apenas não tínhamos filhos porque não éramos casados e não nos casaríamos jamais porque éramos irmãos.



Amanhã era uma entidade maravilhosa que sempre trazia coisas boas. Tudo que pudesse imaginar de mais fantástico seria sempre amanhã. O natal, o aniversário, as férias de meu pai, a viagem para a casa da avó. Mas nós tínhamos uma falta de jeito enorme para tratar o amanhã e ele sempre, quando virava hoje, não trazia as coisas tão certinhas e boas como devia porque era preciso saber tratar o amanhã. Eu tentava, tentava sempre. Muito poucas vezes ele virava hoje e era bom, então eu tentava repetir o tratamento, mas esquecia alguma coisa. Voltava a tentar. Os sapos eram seres fantástico que podiam mudar de tamanho e usar os cogumelos como guarda-chuva. E os aviões eram seres muito perigosos e malvados quando estava de noite. De dia não, eles passavam no céu, nós dávamos tchau com as mãos e gritávamos muito, eles eram bonitos e às vezes brilhavam ao sol. Mas à noite, quando estava na cama e ouvia o barulho do avião eu cobria a cabeça, ficava apavorada e tinha ainda o problema de sentir falta de ar com a cabeça coberta, não descobria a cabeça nem conseguia respirar direito até o barulho sumir, então ficava muito tempo ainda, maravilhada por ter escapado mais uma vez das terríveis bombas que o avião poderia ter jogado sobre mim.



Tantas outras coisas eram explicadas pela minha mitologia antes que o tempo, a vida, a escola me ensinassem o que eram realmente. Tantos mitos eu devo ter ainda hoje para explicar tantas coisas que não compreendo.

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