Sempre gostou das conversas alheias, parecia-lhe bom e divertido, apesar dos alertas contrários a tal atitude. Quando era menino ouvira crianças dizendo que só ganhariam de seus pais a desejada bicicleta em Dezembro, pois era pago o décimo terceiro. Tal informação não lhe tinha acrescentado nada, assim como outras informações que ainda iria ouvir no decorrer da vida.
Não fazia idéia do que poderia ser o tal décimo terceiro, seu pai nunca lhe tinha dado essa desculpa, aliás nunca lhe tinha dado desculpa alguma. Quando pedia algo a garantia de receber era certa.
Tinha de tudo, roupas e calçados eram dos melhores; passeios para qualquer lugar - o pai sempre assim o atendia, como o gênio da lâmpada. A mãe era contra tais mimos, mas, por não ter a exata noção das conseqüências que estavam por vim, ou talvez por falta de iniciativa mantinha-se indiferente – o fato é que há pessoas que se acomodam e se acomodam pelos outros, demonstrando brutal desamor.
Um parênteses: desde o nascimento do filho o que tinha feito, tão somente, era amamentá-lo, depois ele tinha sido educado por uma governanta, pois mãe e pai sempre estavam ocupados.
O tempo foi passando, Tinha entrado na faculdade, sua barba despontando, ainda de adolescente, fina e rala, mais parecia com sujeira à qualquer outra coisa; além disso, dentre outros assuntos, já sabia o que era o tal décimo terceiro. Todavia, não lhe tinha sido dada nenhuma desculpa.
Mas, certa vez, ouviu conversa alheia, logo no primeiro ano da faculdade. A conversa o impactou, não pelo assunto - já ouvira outras também parecidas com aquela - mas pela emoção com que era mantida: “ontem à noite conversei com meu pai”, “minha mãe está um pouco ruim de saúde”. Isso soou-lhe tão ou mais desconhecido que o décimo terceiro quando criança.
Pediu para a governanta que ligasse para os pais a fim de com eles conversar. A mãe estava na casa de amigas, como sempre, mas dessa vez em outro país: França; o pai trabalhava, como sempre, mas também em outro país: Estados Unidos.
Chorou como nunca tinha chorado.
Passaram-se dias, novo telefonema: o pai não poderia voltar tão cedo, era um executivo e tinha ido para outro país tratar de negócios, no entanto depositou quantia considerável de dinheiro em sua conta para remediar alguma situação; a mãe continuava com as amigas.
Dias após, enfim, os pais estavam de volta. Quis com eles dialogar, mas não lhe atenderam devidamente. Não lhe deram, ou pediram, desculpas, nem ao menos parecidas com as do décimo terceiro, antes o olhavam com tamanho mimo que só faziam neutralizar seus esforços para pronunciar, em frase ou gesto qualquer que fosse, a necessidade de serem uma família.
Olhava para mãe e pai e não notava nada do que tinha visto quando menino; enxergava apenas flores murchas, em que um apreciador já não via a beleza que o levara a colhê-las.
Mantinha um olhar de quem estava prestes a se tornar um viciado em algum tipo de droga. E de fato tinha se tornado. Numa noite sonhou que se enforcava. Sentiu a falta dos pais, mas sentiu mais naquele momento o pescoço alongar-se, por causa do peso do corpo, e o arrependimento típico dos suicidas, mas já era tarde. A última visão que teve foi uma foto quando criança, cercado de brinquedos ao lado da governanta. A foto o fizera lembrar da advertência “Nunca escute conversas alheias, não lhe dizem respeito e por isso podem não lhe fazer bem”. Lembrou ainda das muitas conversas alheias enquanto silenciava seus últimos suspiros, Arrependeu-se, por fim, de ter espreitado tantas conversas.
Tentou gritar, mas faltaram-lhe forças e ar, tentou acordar do maldito sonho, mas não conseguiu por apenas um único motivo: não era sonho, estava acontecendo. Jazia em seu próprio quarto, cercado de tudo e de nada.