Número do Registro de Direito Autoral:131420481653192800
SOCORRO MEU DEUS!
Ana Zélia
Meu Deus, até quando me quereis testar, já estou ficando sem forças para lutar.
Sabes que sou casada com um alcoólatra, que só deseja assassinar-me.
Prejudica meus filhos a toda hora. Pobres crianças.
Hoje Senhor, tenciono sair amanhã e não retornar. Tomar outro rumo antes que seja tarde.
Mas ele me perseguirá como a meus filhos. O que fazer Senhor?
Ajuda-me a resistir um pouco mais, acho que não vou suportar mais tanta humilhação.
Hoje ao sair para a casa dos meus, ele bêbado ficou na porta da rua a chamar-me de vagabunda, para todos ouvirem, que ia me formar advogada, mas ele ia cortar meus passos.
Como? Em que sentido. Só matando-me e é o fará breve.
Tenho certeza disto. É um patife, tenho medo por meus filhos.
Ajuda-me Senhor, prometi me formar primeiro para poder deixá-lo, mas vejo que não chegarei a isto. Pena meu Deus porque o meu maior sonho era ser advogada, dar condições de vida melhor a meus filhos, mas vejo o fim aproximando. A quem falar? Contar? Pedir ajuda? Vejo porque muitas mulheres vêem a morte chegar e continuam com os maridos.
Por que se contarem a alguém, ninguém acredita ninguém ajuda, já pensei falar a algum professor. São tão importantes será que darão crédito?
Veja Senhor, ser mulher de um alcoólatra, que só bebe para fazer o mal, é triste.
Não tenho amigos em quem confiar. Só em vós, não deixe meus filhos casarem e terem a sorte que tenho, livra-os de mãos assassinas e covardes, desastres, tudo.
A minha vida está insuportável, não vejo mais nada, as lágrimas não me deixam continuar.
Sou tão infeliz.
Pobre futura advogada.
Manaus, 14.03.1976 (Ana Zélia)
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Nota da autora. Meu ex-marido era analfabeto e me proibia falar, minha fuga era escrever, sabia que seria morta e assim alguém encontraria algo para incriminá-lo. São folhas de papéis soltas e guardadas escondidas em livros. Achei interessante. Pois neste ano, dia 18.07.1976 me separei de verdade, ele deu três tiros de espingarda atrás de mim e das crianças, felizmente atirou pro alto. Cara de pau foi ao Juiz dizendo que tinha saído de casa e levado os filhos dele, a família dele foi a meu favor e ele disse ao juiz, “esconda esta mulher bem escondida porque se eu encontrá-la a mato, dou incontáveis facadas.” Me formei em dezembro de 1978, com Garantia de Vida. Vivi escondida por quase dez anos até sua morte em 1986. Senti o que era ser livre, livre de vez. Manaus, 28 de maio de 2010. Ana Zélia