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Artigos-->OBRIGADO SENHOR, OBRIGADO! -- 14/08/2010 - 20:52 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OBRIGADO SENHOR, OBRIGADO!



Eu não acreditava, mas queria acreditar. No Natal de 1975 recebi a dádiva de acreditar para sempre. Minha filha, Alessandra, de três anos assistia TV deitada num pequeno tapete no chão da sala. Já havia algumas semanas que um comercial encantava a menina, apresentando uma boneca chamada “Cosquinha”. À medida que se fazia cócega nas plantas dos pés da boneca, esta se punha a rir gostosamente. Estávamos a vinte dias do Natal. Eu como sempre desempregado, sem dinheiro e sem perspectiva de tê-lo no bolso. Minha filha aproximou-se e abaixou o livro sem cerimônia em minhas mãos e apontou a TV: – Je, eu quelo a boneca cosquinha e o carrinho da boneca! Respondi-lhe tentando dissimular: – Filha o papai já falou que vai comprar uma boneca que não ri, nem chora, mas é bonitinha igual a você!



–Não quelo – retrucou a menina – só quelo a cosquinha e o carrinho.



De repente e pela primeira vez na minha vida tive a idéia de tentar acreditar, mesmo não acreditando nos poderes da mente. Precisava testar. Necessitava de uma prova para me dar ao luxo de ter fé, o velho problema da humanidade.



Chamei a pequerrucha que já se afastava chorosa e então lhe disse com todas as palavras pausadamente:



–Filha, você só quer a boneca cosquinha e o carrinho da boneca, né? – ela respondeu meio desconfiada e quase sorrindo, que sim. Disse-lhe então que ela iria ganhar no Natal do Papai do céu. A menina bateu palminhas numa alegria incontida, sorrindo satisfeita.



-Mas, tem uma coisa – fui dizendo, tomando-a nos braços e aconchegando-a no colo – você deverá todos os dias até o Natal dizer para o Papai do céu três vezes quando for dormir à noite e mais três vezes quando levantar pela manhã: “o Papai do céu vai me dar a boneca cosquinha e o carrinho da boneca no Natal. Muito obrigada Papai do céu”.



Minha filha passou a fazer as orações do jeito que lhe pedi ao deitar-se e ao levantar-se. Uma noite ela acordou a mim e minha esposa para nos lembrar de que não havia feito a oração. E – jamais me esquecerei daquela cena – ajoelhada no berço pôs as mãos em palma e recitou três vezes a prece petitória, gesto que me calou fundo.



No dia 23 de dezembro surgiu uma oportunidade para mim. Eram bichos e bonecas de pelúcia, daquelas que se costurava apenas a cabeça a um corpo de enchimento de isopor. Não era muita coisa, mas recebi um prazo bom de pagamento e as vendas dariam para o Natal. Entretanto, as vendas nas ruas mesmo debaixo de chuvas surpreenderam-me e tive o cuidado de reservar uma das bonecas de pelúcia para minha filha, já que sabia não ter condições de comprar a boneca cosquinha.



Minha esposa e eu havíamos combinado passar o Natal na casa de minha mãe, a qual costumeiramente fazia uma festança na noite da véspera. Ela residia próxima a estação da Luz no bairro de mesmo nome. Minha esposa e a menina foram para lá, enquanto eu resolvi perambular por toda São Paulo atrás da cosquinha e do carrinho. Este último consegui comprar, mas a cosquinha não encontrava e quando localizava uma por acaso, o preço era exorbitante, entre 3 a 4 mil cruzeiros.



Pela uma hora da madrugada as lojas já fechavam as portas. Resolvi desistir e voltar para casa de minha genitora. Foi neste momento que me deparei com uma loja, cuja porta estava baixada até um metro do solo. Olhando por baixo da porta percebi que lá dentro separavam caixas e limpavam as prateleiras. Um homem perguntou-me o que eu queria. Expliquei-lhe adentrando a loja. A resposta não demorou: – Não tem mais! – agradeci e fui saindo devagar, quando ouvi:

-Moço! Moço! – Voltei-me e vi um rapaz loiro no alto de uma escada segurando a boneca tão desejada, a qual gargalhava sem parar acionada que fora pelo dispositivo eletrônico.



Ela ficara esquecida no fundo da caixa e em razão disso não fora vendida. Fiquei chocado e sem fala. Mas, havia ainda o preço e procurei aparentar tranqüilidade.



–Quanto é? – indaguei amedrontado. O proprietário respondeu:



–Seiscentos cruzeiros. Faço a preço de custo por ser a última venda deste Natal.



–Respirei aliviado e agradecendo intensamente a Deus e ao comerciante.



O relógio do Mosteiro de São Bento badalava a uma e trinta da madrugada do dia 25 de dezembro de 1975, enquanto eu sobraçava um belíssimo troféu conquistado não por mim, mas pela minha filha Alessandra. As lágrimas não paravam de descer de meus olhos e surpreso e atônito fui repetindo em voz alta:



-Obrigado, Senhor, Obrigado!



(publicado pela primeira vez em 29 de dezembro de 2009 no jornal "Comércio do Jahu", porém o texto original está inserido em meu livro "Prepare-se para o sucesso!" publicado em 1996).



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