Francisco Miguel de Moura - Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras
“Escritura do Silêncio” é uma excelente obra que aparece na área da poesia piauiense/maranhense. Chagas Val é o nome do poeta, e não se trata de um poeta comum. Essencialmente poeta, escreve também crônicas e cartas com pena de mestre. Mas, enfim, tratemos da poesia de “Escritura do Silêncio”. Avaliemos o significado da escritura e do silêncio. A rigor, toda escritura poética vem do silêncio, mas a de Chagas Val é mais acentuadamente assim. Ele não conta uma história nos seus versos nem os cronifica, não é um poeta dos acontecimentos quotidianos como Bandeira e Drummond, nem exclama: “Êta vida besta, meu Deus!”. Não fiquemos, entretanto muito distante dos clássicos de hoje. Da leitura do seu “silêncio”, sinto que na poesia de Chagas Val há uma pálida e distante leitura de João Cabral de Melo Neto, através do rio, da terra, da gente, dos bichos – “as boiadas ainda dançam nas labaredas da aurora” – não no discurso, mas no delinear do verso, livre no traço para alcançar a leveza de vozes universais. João Cabral não era um lírico como Chagas Val. Ao contrário, foi muito seco e hostil à conhecida poesia até então, menos em “Vida e Morte, Severina”, disto nós sabemos. Chagas Vale, em meio à esterilidade intelectual e espiritual do meio e do tempo (que é quase o mesmo), vai filtrando o que há de melhor no lirismo contemporâneo, como se tratasse os mesmos problemas pelo avesso, criando uma espécie de novo quotidiano da poesia, a fim de atravessar a era da escuridão. Refletindo sobre esse dois versos: “Desenhos de gestos, as flores são fissuras no vento, / tracinhos e riscos em brancas superfícies de espelhos”, como que apanha, sente, cheira, lembra, guarda na memória e escreve sobre “ventos” e “flores” de sua infância, similarmente a todos os nordestinos. Belo poeta, forte e original, a comparação com João Cabral foi apenas para situá-lo entre os maiores. Dá gosto ler seu livro, não cansa, cintila, consola e faz o leitor chegar mais perto da sensibilidade e dos valores da poesia, num mundo tão gasto, existente só para o dinheiro, o poder, a vilania, o “descarte da vida” e a morte. Foi um dos livros de poemas que mais me impressionou nos últimos tempos, pela novidade, pela fortaleza, pela musicalidade e profundeza que transpira e transfere em sumo e sabor a quem dele se aproxima, basta ler um poema como “Superfície” (ironia), onde ficam os versos citados. “Vertigem”, jóia que abre o volume, é realmente um poema bem moderno, simples para dizer em profundidade o complexo que é o silêncio e sua escritura. Finalmente, escolho, ao acaso, um trecho do prefaciador do livro, Víctor Rego, artista plástico, onde confirma minhas assertivas e bem informa sobre Chagas Val aos que ainda não o conhece: “Desta vez, esse piauiense do Estreito, povoado às margens do rio Longá, pertinho de Buriti dos Lopes, nos apresenta “Escritura do Silêncio” como se fora o registro de seu amor e paixão pela terra, pessoas e coisas daquele lugarejo. Faz isso de forma emergencial, irremediavelmente necessária, compulsiva e, melhor ainda, transfere o seu torrão natal, guardado no seu imaginário, para o lugar mais próximo, visualizado pelo leitor, numa geografia única, universal. O seu rio, com suas águas e todas as imagens, exaustivamente exploradas pelo poeta, cabem numa só geografia.” Sim, certamente desta vez nos concede um cenário ao mesmo tempo real e onírico, o poeta como um cientista descido de uma estrela luminosa, metaforiza tudo, numa forma tão lírica, tão íntima, tão completa, que poderíamos dizer que disseca sua matéria: a terra, o rio, os ventos, as flores, o lugar onde nasceu e guarda para a vida de homem adulto e consciente do ser que é e do ser que pode ser ainda mais para aliviar as angústias do mundo. Chagas Val fez um livro compacto, de onde nada se pode tirar nem acrescer. Salve, poeta Chagas Val.