PEQUENA SINTESE DA RELIGIOSIDADE POPULAR NA LITERATURA DE CORDEL
(*) GUTEMBERG COSTA
A Literatura de Cordel foi introduzida com a presença do Português. Lá, existiam as “Folhas soltas ou folhas volantes.” Aqui, as referidas folhas foram logo sendo vendidas em feiras e mercados populares, expostos à vendagem em cordas ou barbante. E há bastante tempo ficou conhecida como literatura de cordel ou folhetos de cordel, que trata-se de um pequeno livro de poesia rimada. Impresso, com capa em xilogravura e geralmente com 8,12, ou 16 páginas. O seu autor é denominado de poeta cordelista ou poeta popular. Esses Autores pertencem a uma religião e como versejam sobre tudo o que lhe ocorrem no cotidiano, também espalham em suas produções poéticas, a sua fé em seus Santos e aos milagres, ocorridos com os próprios, ou outras pessoas, do seu relacionamento ou informação. Vamos citar alguns desses exemplos:
O poeta Antônio Alves da Silva, no folheto de sua autoria : – Cristo O Salvador Do Mundo, 8 págs, s/data, enaltece o poder de Jesus e não esquece de chamar à atenção de seus leitores, para os chamados “falsos Cristos”, de sua época e convívio : -
“Existe dificuldade
para muitas criaturas
crerem na verdade eterna
das sagradas escrituras,
devido as superstições
e as mentes obscuras
se surge fazendo curas
um vigarista qualquer
lá se vai o pobre homem
leva menino e mulher
volta pior do que era
não enxerga quem não quer ”
. . .
Uma forma bastante interessante e criativa, foi a maneira em que o poeta Pedro Henrique de Assis, achou para divulgar o Evangelho de São Marcos, em seu folheto de 10 Pág. S/data, com o título – “O Evangelho De São Marcos - Discurso De Jesus Aos Fariseus - 7, 1 - 23”, que começa- o como todo poeta do cordel, rimando-o :
“Os fariseus e alguns escribas,
vindos de Jerusalém,
tinham-se reunido em torno
dele, Jesus de Belém,
que veio à terra dos homens
só para fazer o bem.”
E ao finalizar o seu folheto:
“ Eis na pequena parte
do Evangelho sagrado
de S. Marcos escrito em versos
para ser apreciado
pelos leitores que gostam
do nosso assunto rimado.”
Santos, santas e outros temas religiosos, são evocados pelos poetas, como podemos notar, numa pequena mostra que se vê nos títulos a baixo:
Homenagens A Santa Luzia, 10 págs., de José Costa Leite ; ABC De Um Ladrão Que Quis Furtar A Milagrosa Imagem Do Bom Jesus da Lapa, de Napoleão Fagundes Guerra ; A Afilhada Da Virgem Da Conceição, 8 págs., de Manoel D’Almeida Filho ; Os Avisos Da Mãe De Deus Ao Povo Brasileiro, 8 págs., de Cipriano Batista de Sena ; Os Católicos De Hoje Em Dia, 8 págs., de Manoel Tomaz de Assis ; O Coração De Maria Santíssima, 32 págs, de José Nunes Filho ; Explicação Da Santa Missa, 8 págs, de José Camelo de Melo Resende e História De Um Afilhado De Santo Antônio, de Manoel D’Almeida Filho, entre centenas de outros cordéis, que em grande parte já foram relacionados em inúmeras bibliografias, antologias e estudos, como o nosso: A PRESENÇA DE FREI DAMIÃO NA LITERATURA DE CORDEL (1998) e o do mestre Mário Souto Maior - OS FOLHETOS : PROVAS INCONTESTES DA POPULARIDADE DE FREI DAMIÃO NO NORDESTE ( 1998). E por acaso, quem divulgou o Padre Cícero Romão Batista e o Frei Damião de Bozzano, se não o nosso cordel! . Muito mais do que os seus próprios irmãos de Ordem Religiosa, espalhados pelo mundo todo e com o poder de penetração popular entre a massa humana.
O Saudoso amigo, poeta João Domingos da Silva, Caicó/ Natal- RN, que em vida foi um fervoroso devoto de Nossa Senhora do Rosário, deixou sua fé demonstrada em seu folheto de 8 págs, cujo título é : Milagres Ainda Acontecem, destaca sua religião aos leitores, logo no princípio do cordel:
“Sou católico praticante
com todos os sacramentos
na primeira comunhão
prestei o meu juramento
perante a Eucaristia
cumpri os dez mandamentos
o mundo hoje é moderno
com a tecnologia
só se crê mais na ciência
a fé do povo está fria
ninguém mais faz uma prece
à Santa Virgem Maria.”
...
Não se pode falar de religiosidade popular, sem antes lembrar desses grandes poetas do povo, os cordelistas. A Nossa Senhora da Aparecida -– Padroeira do Brasil, que comemoramos o seu dia em 12 de outubro de cada ano, foi lembrada, como podemos observar neste folheto que se segue de autoria do poeta popular Expedito Ferreira da Silva, cujo título é o seguinte: Os Milagres Do Padre Donizete De Tambaú E De N. Sa. Da Aparecida, 8 págs., Cujo enredo poético conta-nos a história do achado da Padroeira do nosso País :
“Quando tu fostes encontrada
nas margens de um rio corrente
e um pobre pescador
te tirou rapidamente
para curar os romeiros
paralíticos e doentes.”
. . .
Em relação a moda, o vicio e a prostituição, quase todo poeta recorre logo ao tema tão vasto da religiosidade, como uma forma de “freio” e “castigo” na humanidade pecadora, que só no passado, é que tinha medo dos castigos de Deus e também liam os famosos folhetos de feira, que logo na capa chamavam à atenção pelos títulos : - “ A Mulher Que Deu A Luz A Uma Cobra Porque Zombou Do Bom Jesus Da Lapa, 8 págs., ; A Moça De Mini – Saia Que Tomou Banho De Mar Com O Satanás Na Praia De Amaralina, 8 págs. ; O Homem Que Ganhou Na Loteria Esportiva Ajudado Pelo Diabo, 8 págs. e As modas Escandalosas De Hoje Em Dia, 8 págs. todos de autoria de Rodolfo Coelho Cavalcante.
Os Evangélicos, estes sofreram de grande parte de nossos Católicos poetas, o que o povo costuma dizer: - “Comeram o pão que o diabo amassou!”. Ou seja, sofreram uma propaganda não muito ética, como podemos notar aparti de alguns títulos de folhetos, como esses: - A Discussão De Um Católico Com Um Protestante, 12 págs., de autoria do poeta Severino Borges da Silva ; Discussão Do Macumbeiro E O Crente, 8 págs., de Gonçalo Ferreira da Silva ; Discussão De Um Crente Com Um Cachaceiro, 8 págs., de Vicente Vitorino de Melo ; O Protestante Que Foi Expulso Do Céu, 8 págs. , de Rodolfo Coelho Cavalcante ; Discussão Do Cachaceiro E O Crente, 8 págs., de Apolônio Alves dos Santos e O Protestante Que Virou Num Urubu Porque Quiz Matar Frei Damião, 8 págs. , do Manoel Serafim. Conheço mais de uma caso aqui no Estado do Rio Grande Do Norte, em que o poeta cordelista ao se converter as religiões evangélicas, não só deixaram de publicarem seus folhetos , com criminosamente para a história poética e a pesquisa, queimaram toda a sua produção, numa forma de uma santa “inquisição” de suas novas religiões.
Que vivam! a nossa religiosidade popular nordestina, seus divulgadores ligitimos - que são estes poetas da nossa boa Literatura de Cordel e os estudiosos/ folcloristas, que espalhados tentam a todo custo preservá-la tanto nas antologias já publicadas e coleções que vão sendo heroicamente criadas, como exemplo, a da Editora Hedra, de São Paulo/SP, que tem a frente o nosso “quixotesco” mestre - doutor Joseph Luyten..
E tal qual um cabra da peste do nordeste, lutemos, aos trancos e barrancos para não deixar morrer a fé do povo e nem tão pouco o seu livro, que é indiscutivelmente o - CORDEL !
(*) É Escritor, Pesquisador e Folclorista - Membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN e da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.