Desde os meus tempos de criança tenho sentido na alma a magia e o ambiente festivo que o natal e o ano novo produz em nossos sentimentos. Casa-se nestas duas datas importantes o mesmo fascínio colorido daqueles tempos infantis. Hoje, na qualidade de adulto, o fascínio continua vivo em minha alma. As lembranças fazem passeatas pelo meu cérebro. Sejam alegres, sejam tristes elas vêm me dizer baixinho que o Salvador está de volta, trazendo também um ano novo de expectativas melhores. Jesus, o Salvador, aquele que mandou dar a face direita quando a esquerda já estiver contundida, todos os anos visita o meu coração. E fico preocupado porque nem sempre estou pronto para o Mestre Divino.
A vida terrestre não é fácil. A gente se acostuma na carne e quando a velhice vai chegando a preocupação cresce porque é evidente que nossos erros e mazelas vão reaparecendo em nossa cúria interior. Somente os bons corações vivem felizes até mesmo na hora fatal. E eu não me incluo nesses bons corações. Sou apenas uma pessoa que lutou pela vida inteira desde criança e lutarei até o fim. Isto porque sempre amei as coisas corretas deste mundo. Detesto os erros comuns, habituais e vulgares. Sempre procurei o lado bom da vida e este lado bom só existe nas palavras imorredouras de Jesus. Portanto, posso dizer que amo Jesus e suas doces palavras.
Assim sendo, cheguei a seguinte conclusão: para quê existem as religiões? Ora, as religiões existem para ensinar a quem não sabe a vida e os exemplos de Jesus. Isto no nosso caso da cristandade. Esta seria a fórmula correta. Porém, não funciona assim. As religiões aparecem com a finalidade óbvia de ganhar muita grana numa espécie de sociedade secreta, ou mesmo públicas. Toda nova religião começa pobre e em pouco tempo está nadando em ouro. Não é propriamente a religião e sim o dono da religião. Para o leitor entender vou contar uma pequena história dos meus tempos de camelô no Largo da Concórdia em Sampa. Havia dias que se vendia muito e havia dias que nada se vendia. Eu, particularmente, ficava apreensivo. Não queria que minha mulher ficasse triste, ou raivosa pela falta da grana em meu bolso.
Então acabei por ficar amigo de um pastor, o qual me ajudou muito. Ele não possuía sede própria. O local em que pregava seus sermões era o Largo da Concórdia no meio de outros cinqüenta pastores. Cada um tinha o seu pequeno espaço.
Assim como eu, também os pastores tinham seus dias de cão e nada conseguiam apurar. Então um dia tive a idéia de ajudar um dos pastores para ajudar a mim mesmo. Fui ao mais próximo de minha banca e combinei com ele e a família dele para montarmos uma peça teatral. Ele topou. Daí por diante nunca mais ficamos sem dinheiro nos dias mais difíceis. A ajuda a que me refiro tinha de comprar um comprimido efervescente e colocá-lo na boca, preparando-me para a peça teatral. Então, começava a pular feito um macaco, enquanto o pastor com a Bíblia na mão esquerda e a direita sobre minha cabeça rezava e pedia: sai demônio! Sai demônio! Retira-te satanás! E eu continuava pulando e virando cambalhotas no asfalto como se estivesse endoidecido e com a espuma de uma falsa baba saindo pela boca.
Em pouco tempo formava-se uma multidão. Pediam para continuar as orações e muitos até me seguravam, querendo ajudar. Era neste momento que a granosa começava a chover no balde do pastor. E eu, mesmo pulando feito um saci pererê, já estava feliz e ao primeiro sinal do pastor ia me aquietando devagar até perguntar bem alto: onde estou? Muitos respondiam: “você está no Largo da Concórdia!” Meu Deus? O quê aconteceu? – dizia eu bem alto. Daí por diante o pastor angariava um bom número de fiéis. Mais tarde trazia minha comissão até a banca e todos nós ficávamos felizes ao voltar para casa. Isto ocorreu várias vezes. Claro que com o tempo muitos descobriram a farsa. Mas, o pastor foi em frente com outras farsas e ganhou prestígio e muito dinheiro.
Foi a partir daquele momento que deixei de acreditar em pastores, padres e religiões. O próprio Jesus não fundou nenhuma religião. Ele apenas deixou um código de ética intitulada “Boa Novas” ou Evangelho. Quem criou as religiões foram os homens interesseiros, aventureiros da riqueza, sem nenhum escrúpulo ou vontade de conhecer o verdadeiro Deus, cujo filho predileto veio até nós ensinar. Mas, parece que aprendemos muito pouco, já que continuamos com as organizações religiosas por toda parte do mundo, repletas de intrigas, inimizades entre todas elas, cada um querendo defender sua posição religiosa. Guerras inúmeras foram deflagradas por causa de religiões. O mundo depois de Cristo virou um caos impossível de se pacificar. Judeus não apreciam o islamismo e este não aprecia aquele. O catolicismo não passa de um feudo envelhecido e repleto de suas riquezas tomadas à força nos tempos da Idade Média. Assim como o islamismo do Irã ainda apedreja mulheres condenadas à morte, judeus conseguem rezar diante de um velho muro perigoso e preste a desabar. É tudo farinha do mesmo saco. Bem por isto prefiro não ter nenhuma religião, sentindo-me o homem mais livre do mundo.
As verdadeiras riquezas são as palavras de Jesus sem religião, sem cultos, apenas o exemplo do Divino Mestre saindo do paraíso para derramar seu sangue como exemplo de vida.
Jeovah de Moura Nunes
Escritor e jornalista, autor do livro “Memórias de um camelô” entre outros livros.