A SOCIEDADE PERFEITA
Francisco Miguel de Moura - Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras
Muitos filósofos e líderes já pensaram e proclamaram a necessidade de uma sociedade perfeita. Quantos livros, revistas, jornais, discursos e teorias não se fizeram! Quantos regimes políticos e econômicos! Como se poderia construir um edifício de desiguais que saísse perfeito? Vamos enumerar alguns exemplos dessas construções intelectuais: O "Paraíso Perdido", onde, segundo Moisés, Deus colocou nossos primeiros pais, Adão e Eva, para que fossem felizes; a "Sociedade Perfeita", governada por filósofos, da crença de Platão; a "Utopia", de Thomas Moore; a "Idade de Ouro", de que fala Vergílio, em seu poema "Eneida". Essas e outras são entendidas hoje como utopias. Na modernidade, "as distopias", neologismo cunhado por Gregg Webber e John Stuart Mill num discurso ao Parlamento Britânico, em 1868, entendidas filologicamente como 'utopias negativas', são as criações mais em voga, na literatura e no cinema. E foram propostas e propagadas nos seguintes livros e filmes: "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley; "1984", de Georg Orwell e "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, entre tantas outras, comparecendo cada uma com seus ingredientes destrutivos. A mais antiga e espontânea delas é o "Apocalipse", talvez em virtude do peso das religiões cristãs, na civilização. Tanto nas utopias quanto nas distopias, as verdades que afloram são as mesmas: - O homem é bom e a sociedade não presta e vice-versa. O mesmo conflito entre o indivíduo e a pessoa. Pessoa significando o reconhecimento de que é da natureza humana associar-se para ter a sonhada felicidade; indivíduo, como a redução do ser humano ao estado natural, com sua vontade soberana.
Então, do ponto de vista social, ao encarar o controle do estado, se cada indivíduo, como a própria palavra diz, é singular, diferente, chegaríamos a um impasse: - Nossas formas de governo reduzir-se-iam a duas: anarquismo e tirania, e os nossos sistemas econômicos, a dois: capitalismo e socialismo. Mas não é bem assim. Com os gregos, o mundo encontrou a forma democrática de governo que, se não é perfeita, é aquela que chega mais perto disto, tendo em vista que no seu seio há mecanismos para regular o indivíduo e a sociedade. E há também, depois, a utopia do comunismo, não referida acima, a variação da social-democracia, onde o capital é o agente da produção e do mercado, enquanto o trabalhador executa seu trabalho dentro de um contrato que se renova ou se desfaz, para retornar apenas depois da necessária negociação. Tudo passa a ser negócio, inclusive o trabalho. Há uma comunicação contínua entre os dois agentes: capital e trabalho. Eles se encontram no mercado. Ora, alguém já disse que "se duas pessoas se encontram e trocam entre si um pão, cada uma continuará apenas com um pão; mas, se trocarem idéias, cada pessoa sairá com duas idéias". É, pois, na possibilidade dessa comunicação e troca de idéias que começa a democracia: direitos e deveres, cidadania, respeito e educação. O homem deixa de ser animal natural e passa ao estado de humanidade. O que distingue a natureza humana não é a cor da pele, a altura, a força, a fraqueza, a feiúra ou a beleza. O que começou a distinguir o ser humano dos demais foram duas características básicas, ímpares: a piedade (sentimento vago que o leva a ajudar seu semelhante), por um lado, e por outro, a perfectibilidade (faculdade que permite desenvolver todas as outras, a capacidade de tornar-se civilizado). Mesmo ainda no estado de natureza, o homem normal era (e é) uma criatura bondosa e possível de educar-se, sem deixar de ser dessemelhante nos demais aspectos ou características. E se a uma sociedade perfeita não chegamos, jamais o mundo há de perdê-la de vista: - É no que a maioria dos homens acredita, no fundo de si mesmos. |