No reino humano, a gentileza deveria ser um modo natural de viver. Jesus deixou apenas dois mandamentos, amar a Deus sobre todas as coisas
e o próximo como a si mesmo. O que passa disso são apenas interpretações e , quando não, vaidade. O essencial que deveriamos ser
é amor.
26/05/2011 - Tempo Presente, madrugada solitária e fria
Os seios dela eram pequenos, porém lindos, com seus dois botões de
rosa como fechados.
Acordei a pouco de um sonho com Sara, quando já fazem uns cinco anos
que não tenho
mais noticias dela. A última vez que
falamos foi na morte da minha mãe em 2007, quando liguei para ela dias depois comunicando
o fato e ela ficou calada e fria, como seu eu fosse um ser do outro mundo e ela nada tinha com minha tragédia pessoal. Como podemos deixar
de ser importante do dia para a noite para alguém que dividimos o mesmo sabonete?
No sonho de a pouco ela havia sido encontrada morta na piscina
de sua casa, sem a parte de cima do biquini e eu via sua imagem na
água de biquini azul, ainda viva, nadando,
enquanto alguns parentes que ignoro completamente por pura antipatia
davam-me noticias de que ela
havia morrido. Nao entendi o enredo disso, mas acordei melancólico
porque essa deve
ser a terceira ou quarta vez que sonho com ela nua da cintura para cima
e sempre tem mais gente que participa dessa beleza e dessa visão
ou que pode participar, o que causa-me ciúmes e angústia.
Como tenho dons proféticos, tenho medo que o sonho tenha algo de real.
Não consigo, misteriosamente, conviver bem com a idéia de perdê-la para
sempre. Lembro que quando ela dizia que ia morrer um dia eu ralhava com ela.
-- Para com isso!
-- Ué, mas um dia não vou ter que deixar esse corpo? Ela dizia, como
se deixar de existir
fosse algo sem nenhuma consequência dolorosa ou dramática. Como se
deixar de existir
fosse algo como jogar um cotonete na lata de lixo.
Na ocasião, eu era seu namorado, e aquela simples idéia de perdê-la
era bastante pertubadora.
Agora, uma madrugada fria anos depois, não sei se influenciado por
estar escrevendo
parte da nossa história, volto a sonhar com ela desnuda em parte e sempre linda.
E sinto angústia e inquietação. Sara talvez seja parte da minha alma
feminina, com suas fúteis e ambiguas deusas infernais, e tenho que aceitá-la assim
cruél, bela e imperfeita, sem tentar consertá-la e amoldá-la
a meu racionalismo.
O TIGRE DE DEUS EM SEU JARDIM
O mito da minha vida começa quando meu pai pegou o navio na terra do
Quixote e singrou os mares em busca de sorte e aventura. Minha mãe veio
do sertão baiano onde é comum a visagem de lobisomens, mulas sem
cabeças, sacis, deusas do mar que incorporam em terreiros , mesmo que secos! O país da minha mãe tem de tudo, porém
encontrar um homem elegantemente letrado é tão raro quanto ver um
calango no Polo Norte Dos Gelos.
1975 - SENADOR CAMARA - Rio de Janeiro
Marcelino Rodriguez
Eu estava em uma das elevações que havia numa das ruas que cortavam
os conjuntos populares da Cohab, em Senador Camara. Era carnaval.
Um bloco barulhento passava com carrascos, piratas, clóvis, piranhas,
palhaços, pierrots, colombinas e mais o que houvesse de fantasioso e
de uma gente mascarada, formando
um todo que parecia uma orquestra mágica. Uma música tocava muito alto de
Um dos prédios.
"Macunaíma índio branco catimbeiro
Negro sonso feiticeiro
Mata a cobra e dá um nó"
Ali eu a percebi pela primeira vez que estava sozinho
e que a vida seria para mim uma espécie de exílio. Senti
que os mascarados do carnaval vinham de outro mundo e que aqueles que
ali passavam eram como sombras
da realidade maior.
Ali naquele alto de monte tive meu primeiro sentimento do mundo feiticeiro
e bebi o gosto do infinito.
Dois fatos atormentavam o menino louro de beleza clássica,
verdadeiro Boneco de Deus que fui: a bronquite e as assombrações.
A bronquite levou-me as catarradas dramáticas e a conhecer
a pobreza e o sofrimento do povo nos hospitais públicos
onde pouco se incomodam em acrescentar qualidade de vida.
Minha mão costureira, pobrecita, como sofreu comigo
levou-me muitas madrugadas, onde eu pensava que iria
sucumbir diante de tanto sofrimento. As vizinhas confabulavam
as mais estranhas simpatias para curar-me. O que eu tomei de beberagem
foi uma coisa de cinema. Creio que até puseram debaixo de meu travisseiro
calcinhas de três moças virgens diferentes, uma virgem de cada cor.,
O caso é que um dia, após sair de uma clínica de nebulização,
senti que nunca mais voltaria a ter bronquite.
Internamente, tive essa certeza na alma.
Com relação as entidades, minha mãe levava-me a longinquos
centros de umbanda, onde as pretas velhas
tratavam -meas cachimbadas. Num desses centros
que hoje acredito era de oxala, porque era todo azul e branco
e tinha uma estrela de seis pontas no centro da parede,
entre a fumaça do cachimbo da velha senti que minhas pernas
tinham um tremor diferente e que eu tinha uma parte de
mim abissal, profunda e infinita que desconhecia.
Passei muitos anos ainda disputando
meus brinquedos com as entidades
e procurei esquecer a experiência
do tremor. Uma noite em que acordei gritando
e sobressaltado, o que era frequente,
minha mãe ensinou-me a rezar o credo
e derepente a noite se encheu de uma luz branca
onde centenas de anjos levaram-me a dormir
em paz.
Eu era um menino que costumava ficar fascinado
diante das bancas de revistas e mesmo ainda sem saber ler, pedia que minha mãe comprasse-me
gibis. O que ocorria porém eram fatos raros nas minhas relações com as palavras e as imagens.
Com a ajuda de um parente aqui, uma colega de infância acola e da fada da noite que me dava seu seio direito para sugar e ia me explicando o
segredo do alfabeto,
aprendi a ler de modo sobrenatural, praticamente sozinho.
Já disse que o pais da minha mãe,
ainda hoje, quinhetos anos após sua colonização, não é alfabetizado das letras nem dos sentidos.
As pessoas sabem que as palavras e as letras existem, mas não entendem que elas são para serem obedecidas e estudadas. Assim quando elas lêem
algo como sinal fechado, elas aceleram.
As mortes simbólicas no dia a dia
são milhões por aqui porque é país sem alimento metafórico.
Aos poucos minhas leituras iam mudando de Patópolis e Far West para Atenas. Houve um tempo
em que eu estudava num colégio para professores e era o único
varão da sala e o único a frequentar a imensa biblioteca, onde eu viajava
ao passado e ao futuro, na companhia somente das aranhas do telhado, da poeira
e dos personagens e personalidades dos volumes que lia . No país da
minha mãe os
nativos acham que podem ser interessantes sem cultura e sem leitura,
o que não deixa de ser inacreditável. Tornei-me uma celebridade
e uma ilha, porque somente eu conhecia os contos de fadas e começou meus versos e textos
a correrem o país e o mundo, abrindo e fechando espetáculos os mais diversos e improváveis.
Passei a não entender o mundo morno e indiferente dos iletrados,
nem porque o povo vive com a faca nos dentes, nem porque as coisas não
funcionam direito,
nem porque não existe preocupação que as coisas não apenas sejam, mas
que sejam feitas belas
e da melhor maneira.
A minha solidão e meu abandono entre as gentes do país da minha mãe
começou a dar-me
saudades da europa que corre no meu sangue elegante como um cavalo de hipismo.
Os anoezinhos macabros que habitam o país da minha mãe nunca
facilitaram minha vida
e vivi aventuras mais pitorescas e bizarras que todos os livros que havia lido.
PETRÓPOLIS, 1998 - A DESCOBERTA DE BUDA
Petrópolis, 1998, encontro com Buda
A Luz da Asia, Buda, chegou na minha vida através de uma mulher
jovem, Padma, criatura
linda e de puro amor. Americana de vinte e cinco anos, ensinava
vestida de monja em Santa Tereza na casa de uma de suas discípulas.
Fui com um irmão martinista
assistir a uma de suas palestras. Já estavamos todos a espera quando entra
a bela jovem sorridente, falando um português
quase perfeito, apesar do sotaque e descalça , vestida de laranja e amarelo.
O longo cabelo castanho preso num rabo de cavalo. Tinha umas quinze
pessoas na casa. Ela explanou rapidamente sobre as quatro nobres verdades
do budismo: sofriimento, impermanência, causalidade e o darma, que é a
pratica da
iluminação da mente. Disse que seu mestre era um chinês
e que sua linhagem estava agora passando um ensinamento
mais veloz de libertação, que era "sentar em plena atenção".
e todos na casa passamos a praticar, em silêncio.
Depois teve uma jovem que discutia em voz alta um assunto
com Padma e fui intervir como conciliador da paz e ela
virou-se para mim e perguntou se eu era responsável
pela paz mundial. Durante quase toda nossa relação
Padma surprendia-me com intervenções
que criticavam o que ela achava superficialismo da minha parte.
Tinha vindo também com ela dos Estados Unidos um jovem, John,
que também estava na casa dos vinte e poucos anos, tinha a cabeça
raspada e era bastante discrito, auxiliando Padma nas praticas
em tudo que podia. Padma ensinava deixando uma lata
para recolhimento de doações, que era uma Tradição monástica
segundo ela dizia. Convidou a todos para um retiro
que faria em Petrópolis no carnaval de três dias
e resolvi ir. Minha intenção era ficar perto
dela, pois achei-a preciosa demais
para deixá-la só. Que podemos fazer nesse mundo de mais belo
senão honrar as almas que nos fazem bem?
Preparei na mochila roupa adequada para três dias e subi
a serra. Sempre gostei de montanhas e lugares
de grandes altitudes; também a sensação de pureza e liberdade
permitem uma espécie de respiração da alma que sinto.
Cheguei na cidade e informei-me que a casa onde Padma estava era
numa rua de subida. Lá chegando, vi que era uma casa pequena e simples
porém de frente para as montanhas e com um jardim onde
não faltavam flores nem borboletas; lá estavam Jonh, uma senhora
de uns sessenta e cinco anos que falava pelos cotovelos,
uma jovem de uns dezessete anos, eu e Padma. Éramos cinco
que fariamos o retiro. Padma fez uma palestra inicial
de que nossa alimentação seria vegetariana, sem sal ou açucar.
Que iriamos praticar bastante e que ela exigia obediência
e disciplina cada qual com seu espaço e suas coisas.
Para quem não sabe, Petrópolis faz bastante frio
e o mesmo favorece a reflexão que juntando
com os chás que Padma fazia, sendo o de gengibre
sagrado, mais a alimentação vegetariana
, os tempos de meditação, os mantras,
as leituras espirituais em pouco mais de vinte e quatro
horas começou a trazer-me experiências muito intensas.
A maior delas, um contato direto com a mente de Buda,
o que levou-me em determinados momentos
a estar com a mente no "mesmo espeço"
que Padma. Num desses momentos, em que meditavamos
um inseto raríssimo pousou em cima do meu braço
e perguntei a Padma porque acontecia isso comigo?
-- Continua praticando para aumentar seu mérito.
Minhas emoções tomavam formas sagradas.
Também surpreendi-me tendo ciúmes de Padma
e Jonh numa tarde em que ele tocava violão
e ela o acompanhava. Chamaram-me para perto,
mas por dentro a inveja estava me queimando.
Houve momentos de grande beleza poética, com a tempestade
e os raios que caiam, iluminando a escuridão das montanhas.
-- Por que será que o universo está respondendo desse jeito?
Ouvi Padma perguntar para mim e Jonh e fiquei em silêncio.
Particularmente a mim, agrada a idéia que a natureza um dia submeta
de vez a corrupção humana que a agride e a enfeia, na maioria das vezes.
Com o clima, a alimentação e as disciplinas, fiquei com a mente limpa,
muito pura
e alerta, com a sensação de que poderia viajar sobre as nuvens e universos
, como se o mundo inteiro fosse como a canção O Delfin Azul e eu
o Boto Iluminado do universo.
Um dia antes de vir embora Padma mostrava seu albun de fotografias
a Emilia, a jovem que estava conosco no retiro e eu olhava o quanto
ela ficava feliz com aquelas viagens que fizera a China, Butão, Indonésia.
Para Padma, a próxima vez que Buda vir a manifestar-se será como
mulher e no altar existia a imagem dessa futura encarnação
em bronze, junto com incensários e outras reliquias
budista e uma vela queimando permanentemente
quando começou um pequeno incêncio, sem que ela
tivesse percebido. Alertei-a, apontando com o dedo
que estava começando a pegar fogo,
com a chama quase chegando no teto.
-- E porque você não apagou, seu revolucionista? Obrigado.
Fiquei calado.
Padma falava com sotaque bem o português, mas na palavra
revolucionário ela escorregava
o que dava um sentido cômico para mim. Na despedida, ela abru a porta,
mas não permitiu que eu a beijasse no rosto. Voltei pela serra pensativo
que nunca mais seria o mesmo; a semente do Buda em mim estava plantada
ou, quem sabe, apenas rememorada.
A BUSCA
Final dos anos oitenta, década de 90
Em parte influenciado pela literatura de Fernando Pessoa, comecei cedo
meus estudos da verdade pelos rosacruzes, am 1988. Uma década após,
tinha galgado os mais altos graus e num desses ritos de passagem de um
grau para outro, conheci Dora, uma morena alta que pertencia a outro
Templo da Ordem, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Estavamos na cantina,
trocando umas idéias. Dela emanava uma força quase "visível", o que é
uma das prerrogativas dos esotéricos que verdadeiramente trabalham seu
interior. Ela trazia uma cruz egipcia, a Ansata, ao pescoço. Os cabelos
pendiam preenchendo os ombros e parte do pescoço, enquanto ela comia um
lanche elegantemente. Estavámos felizes pela beleza do ritual que
vivenciarámos. Ela disse-me: -- O ser humano não é feliz porque é
mesquinho. Aprenda isso, Frater. Hoje ainda ,quase cotidianamente, dou
de frente com a verdade dita por Dora naquela noite iluminada em quase
todas es esquinas que passo, aqui e além.
PARANA, SUL DO BRASIL, 2005 - COM INRI CRISTO
Decidi fazer uma investigação particular sobre o Inri Cristo, após
vê-lo algumas vezes na imprensa e viajei ao sul do Brasil, a Curitiba.
Lé chegando, passei uns quatro dias com ele. Fiquei alojado num quarto
que era a réplica, segundo me disseram, de um trem europeu. E passei
uma noite das mais frias da minha vida, debaixo de uns cinco edredons,
pois peguei também as peças da cama de cima; no quarto havia um
boliche, uma televisão, um pequeno aparelho de som e livros e fitas
sobre o INRI, que diz ser a reencarnação de Cristo. Suas díscipulas,
algumas bastante graciosas, se vestem de azul claro e seus discípulos
de marrom. A igreja dele tem uma doutrina própria, porém não
aprofundei-me nela, pois Inri não considera a Virgem Maria com o
sagrado que nós cavaleiros, temos. E O que importa nesses relatos são
a busca pessoal do autor pela verdade e suas experiências espirituais,
ontológicas com a mesma.
Com Inri Cristo tive uma relação bastante humana, diria até demasiado
humana. Naquele tempo eu ainda tinha algo de vermelho politicamente
falando e Inri Fazia ironia dizendo que eu era comuna; divergimos
disso; Inri me surpreendeu com seu liberalismo em economia. Ele
gostava de jogar sinuca e eu falei que se ele perdesse para mim,
realmente eu jamais iria acreditar ser ele o Messias. Mandava ele me
rezar, coisa que as vezes ele esquecia. Nessa luta pela vida para
sobreviver, já me peguei acendendo vela vermelha pra Exu na
encruzilhada.
Sabe como é, abrir caminhos. Um dia porém, compadeci-me dele;
estavamos tranquilamente conversando na cobertura de sua propriedade
quando ele, melancolicamente, virou-se e disse-me que era melhor
sairmos dali das vistas,
pois ele já fora apedrejado. Como pode alguém apedrejar um personagem
tão interessante?
Inri Cristo, assim como Gentileza, foram dois personagens dos mais
poéticos e ricos que cruzei nessa busca de encontrar, nesse planeta de
pouca fineza literária, algum sentido.
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