Até o século XX era pacífico a ideia e a teoria de que o gênero romance havia nascido, surgido com a classe burguesa, e o porta-voz de tal afirmação foi o tcheco/russo Lukács, através de seu livro, Teoria do Romance. Marxista convicto, a ideia do teórico era situar o romance como um gênero menor, já que nascera numa classe social comprometida com o pior do ser humano. Mas a sua teoria, embora moderna, não prosperou, pois apareceram outros teóricos, como Edgar Morin, para afirmar que o romance e somente o romance consegue exprimir as múltiplas dimensões da experiência humana.
A outra tese de Lukács derrubada foi a da origem do romance: burguesia, classe média, gênero alienado. E quem colocou por terra as ideias do erudito teórico foi o mineiro Jacyntho Brandão, mostrando que o romance é tão antigo quanto a filosofia grega, e exatamente teria nascido na Grécia, com um adendo que coloca o gênero na atualização dos nossos dias, ou seja, o romance lá, naqueles primórdios, como hoje aqui, desenvolveu uma narrativa mista, em que vários gêneros se aproximam e se enriquecem mutuamente, como é tido em nossos dias o romance pós-moderno, um misto de ensaio histórico e ficção romanceada, paródia e narrativa poética.
Pois é nessa ordem de valores estéticos que atua o romancista e poeta Adrião Neto com o seu novo livro, o pararromance RAÍZES DO PIAUÍ. Adrião Neto está consciente de que essa sua narrativa/ensaio histórico cobre a diversidade do próprio gênero que é típico e novo ao mesmo tempo, na concepção daquele ensaísta mineiro. E o que faz Adrião Neto é levantar uma historiografia piauiense de nossas origens conturbadas, usando também a nomenclatura da narrativa ficcional, onde dá voz aos personagens históricos do Piauí Colonial. Assim com tal recurso técnico, o autor consegue realçar tanto as figuras comprometidas com a nossa história, quanto os valores morais ou imorais dos primórdios da nossa colonização e de nossa civilização. O que se constata, através da narrativa sempre vibrante e esclarecedora de Adrião Neto, é que a colonização do Piauí foi realizada com extrema violência e muito derramamento de sangue, especialmente dos indígenas. No palco da contenda sanguinária, tendo como centro principal do drama e do genocídio o espaço geográfico do atual Estado do Piauí, desfilam heróis como Mandu Ladino e Jacaré-Açu e, famigerados matadores de silvícolas travestidos de militares e/ou fazendeiros. Dentre estes destacamos: Francisco Dias D’Ávila (II), Domingos Jorge Mafrense, Francisco Dias de Siqueira, Antônio da Cunha Souto Maior, Bernardo de Carvalho e Aguiar, Manoel Carvalho de Almeida, Miguel de Abreu Sepúlveda, Francisco Xavier de Brito, João do Rego Castelo Banco e muitas outras personalidades incluindo os religiosos envolvidos no drama da conquista, como os padres Miguel de Carvalho, Tomé de Carvalho e Silva, Gabriel Malagrida e os jesuítas vinculados ao Colégio da Bahia, que, de posse do legado de Mafrense, acumularam riqueza e poder, passando a mandar e desmandar em tudo e em todos.
No seu pararromance Adrião Neto também dá vida a mulheres extraordinárias como a escrava Esperança Garcia, a índia Joana (a musa do sertão) e a feiticeira Joana Pereira de Abreu.
O autor mostra que a nossa colonização foi a mais sanguinária do país e que os conquistadores tinham como meta primordial: saquear as aldeias indígenas e matar sem piedade, todos os nativos – todos – é bem a palavra emblemática, tanto é que o Piauí foi a última unidade política do Brasil a ser colonizada e a primeira a exterminar os seus índios.
E Adrião Neto registra tudo, neste amálgama de romance e história, marcando um tento criativo na história literária do Piauí.
Assis Brasil – Romancista, contista e ensaísta piauiense. Membro da Academia Piauiense de Letras. Autor de mais de cem obras. Dois dos seus romances foram laureados com o prêmio Walmap. É um dos autores mais citados nos vestibulares realizados nas instituições de ensino superior do Piauí.