As páginas posteriores são contadas por Adrião Neto e dão-nos a conhecer épocas já remotas da História do Piauí.
As personagens, melhor dizendo, figuras históricas narradas nelas, tornam-se nossas conhecidas e presentes nas nossas mentes, carregam com elas virtudes e defeitos, ambiguidades e interesses, homens que procuram o mais comum da vida, isto é, o âmago em lutas intestinas para se superiorizarem a tudo e a todos. Cabe-nos aqui recordar Jules Michelet, que dizia “O historiador, que é o juiz do mundo, tem por primeira obrigação perder o respeito…”
Os costumes do Piauí colonial são descritos de forma criteriosa, realista e com aspectos visuais, que bem podiam ser inseridos em uma série de novela para a televisão e logo colheriam entusiasmo dentro de um público, sedento das peripécias corriqueiras da vida humana, daquilo que é mais comum, sempre presente através dos tempos…
Adrião Neto faz-nos inúmeras vezes prender atenção às suas páginas porque possui um alto sentido de humor e de ter uma escrita afável e elegante; além desse aspecto utiliza uma linguagem apropriada à época, mas comum aos tempos de outrora, ainda presente em locais longínquos do interior piauiense.
O texto original oferece ao leitor atitudes, falares e comportamentos subvertidos à moda do nosso tempo, e mais uniforme com o padrão virtual tão ao dos tempo modernos.
Por fim é já em parte uma distante noite do século XVIII, brasileiro colonial, na altura em que se também não se desacredita em nada o testemunho oral. As lendas são bem consentâneas com o imaginário popular. A descrição nas páginas narradas de figuras históricas, que foram impulsionadoras para o desenrolar da aurora piauiense, são ali descritas com firmeza: Mafrense, Domingos Velho, os Ávilas, Bernardo de Carvalho e Aguiar, Touguia, Castelo Branco, Mandu Ladino, mítico e heróico, honra os ameríndios locais, as duas Joanas (a feiticeira e a musa do sertão), António da Cunha Souto Maior, Cabuçu, Belegão, os Jesuítas, que no dizer de Pedro Calmon foram eles os construtores da História do Brasil, João do Rêgo Castelo Branco, Miguel Sepúlveda, Francisco Xavier de Brito, os irmãos Dantas, construtores da igreja de Nossa senhora do Carmo, de Piracuruca, emblemática e das mais belas do Nordeste Brasileiro, Malagrida um dos missionários mais célebres na América Latina para a igreja de Roma. Fundador e cabouqueiro de seminários locais, no Nordeste, Valério Coelho e Ouvidor-geral do Piauí, de Dr. José Marques da Fonseca.
O caso Malagrida vítima do despotismo iluminado de Pombal, executado barbaramente, teve impacto na Europa culta e avançada do seu tempo, colheu espanto e admiração nos Homens que elaboravam a Enciclopédia, e, foi pouco favorável a Portugal, sendo considerado por eles um país retrógrado. A maldição lançada por ele, tão ao jeito da alma lusitana está bem enquadrada no desenrolar da obra. Acrescente-se serem os Jesuítas no interior Piauiense relembrados ainda pelas populações mais remotas de São Félix e Santo Inácio, tivemos ocasião de constar esses em relatos orais por nós recolhidos. Não obstante, suas Paternidades terem missões móveis no Piauí, no dizer de Serafim Neto.
Estas situações plausíveis ao passado piauiense formulam no seu conjunto, um desenvolvimento e ressentimento, ilustrando melhor ou pior sem que nenhuma a represente perfeitamente na história ou se mostre em seu tipo ideal, como dizia Max Weber.
Adrião Neto coloca nas suas páginas questões pertinentes como: Donde viemos? Quem fomos nós e porque não acrescentar, Aonde vamos nós? Ora, estes assuntos são contemplados na sua obra “Raízes do Piauí”. Até à pouco tempo só a religião, a fé e a crença ofereciam uma solução, consequentemente com evolução dos tempos a ciência tem sobre o assunto uma opinião, que cada vez apresenta mais foros pedagógicos e científicos.
No desenrolar a narrativa apresenta uma surpreendente coerência, coloca elementos da matéria local, associados com factos da História Portuguesa, que se reflectiram na Colónia.
Mas, qualquer que seja a visão, mística ou científica, que tenhamos das origens piauienses, faz brotar a ideia de se querer emancipar em relação aos seus vizinhos, Ceará e Maranhão, esse é um testemunho que sempre acompanhou o Piauí desde os tempos mais remotos. Por onde passou deixou marcas profundas que até hoje perduram no imaginário e em momentos bem visíveis e concretos às gentes de hoje em dia.
Também há, é verdade, o outro lado da História. Pessoas de consciência que, logo desde início mostraram desconforto em relação às arbitrariedades cometidas pelos influentes da época, caso Malagrida e outros. Para os olhos contemporâneos, tudo isto parece profundamente estranho e alheio às sensibilidades e valores actuais, mas ainda assombra muitos subconscientes.
Relacionamento muito bem delineado entre os acontecimentos do Reino com consequências repercutidas concretamente na Colónia. Assim, não é por acaso que surge o organizador dos fundamentos estruturais e administrativos da Capitania de São José do Piauhy, João Pereira Caldas, que mais não é do que um homem do futuro Marquês de Pombal, sendo o executor escrupuloso das ordens de aniquilamento dos Padres da Companhia no Piauí.
Ora como dizia Fénelon “O bom historiador não pertence a nenhum tempo nem a qualquer país; embora ame a sua pátria, não a lisonjeia em nada”. Mais vale a verdade do que todos os artifícios mirabolantes e subterfúgios, que escondem a realidade sobre o manto diáfano dos diletantes e bem dizentes.
A experiência de voltar a viver as misérias e virtudes do passado é mais forte que a vontade de esquecer.
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António Neto de Paula – Professor, historiador e conferencista português. Mestre em História do Brasil. Possui um fantástico acervo sobre o Piauí Colonial recolhido em vários arquivos e bibliotecas no Brasil, Portugal, Espanha e Itália. É autor do livro A Carreira Marítima Parnaíba – Lisboa (2001). Tem um trabalho inédito sobre a Capitania de São José do Piauhy.