Alguns acham que a telenovela é produto feminino, descartável, sem qualquer valor literário, o que é uma verdadeira ignorância intelectual. A novela é a grande transmissora dos pensamentos de uma época. E por meio deste gênero é possível discutir qualquer assunto, de qualquer natureza, desde que o autor conheça muito bem o público para quem está escrevendo.
O que não se pode é confundir realidade com ficção. A telenovela não tem qualquer obrigação com a realidade, apesar de muitos autores nela retratarem um Brasil social jamais mencionado nos discursos oficiais. A partir do momento em que um autor se debruça sobre um teclado e dá vidas a seres imaginários com histórias distintas, ele se torna dono de uma história - o deus do papel, cujos nós e clímax serão interligados pelos motes contextuais de cada trama.
Mesmo sendo considerada uma obra aberta, isto é, pode ser alterada a qualquer instante para agradar a seus consumidores e conseguir os índices de audiência desejados pelas emissoras, a novela pode muito bem dialogar a literatura clássica com os meios modernos. E parece que é isso que está acontecendo em "Insensato Coração", de Gilberto Braga e Ricardo Linhares.
A Norma de Glória Pires não nos remete à Aurélia de José de Alencar, só que muito mais impiedosa? E o castigo vivido pelo cretino Léo não está de alguma forma associada à desgraça vivida por Luísa de "O Primo Basílio", de Eça de Queirós? Devaneios de um mero educomunicador? Talvez... porque para a ficção, toda certeza é uma dúvida constante.
Seja como for, a telenovela, mesmo desprezada pela elite intelectual de nosso país, é a única maneira, pelo menos em massa, de levar alguma cultura àqueles que jamais a teriam por "N" motivos, por poder despertar grandes polêmicas ao abordar temas complexos como a pedofilia, a homossexualidade, a intolerância em todas as formas mais abomináveis...
Assim, tratar este produto como instrumento irrelevante do entretenimento audiovisual é, no mínimo, inaceitável. A novela é um produto para toda a família, redigida por mentes brilhantes (Janete Clair e Ivani Ribeiro são exemplos de como conversar com uma multidão por meio de personagens saltados da sóbria imaginação e delineados por uma criatividade deveras reluzente), que ao escreverem, potencializam toda a criatividade à construção de obras em cuja temática há muito mais que atores sarados e histórias hilárias Há o ponto de vista crítico que desafia a política, denuncia a impunidade e a vergonha moral pelo qual o Brasil parece estar fadado a carregar desde seu descobrimento.
Ponto de vista este que poucos se arriscam a celebrar, seja pela "liberdade de expressão vigiada", seja pelo desinteresse do brasileiro em deixar de ser mero figurante no cenário mundial. É como diz o ditado: "Por que me preocupar com coisa séria se todo dia é dia de carnaval? E viva a folia!"
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