Aspectos da Literatura Infantil Brasileira (1918 – 1983)
Primeiro Cilclo
O Surgimento da Literatura Infantil Brasileira deu – se após mais de dois séculos da publicação na Europa dos contos de Charles Perrault em 1697, com Conto da Mamãe Gansa – que se tornou um marco quanto à obras destinadas ao público infantil e serviu de referencial para escritores de várias partes do mundo, inclusive para escritores do Brasil. Devendo-se ressaltar que, embora tardia, em termos qualitativos e quantitativos, a literatura Infantil Brasileira começou a se ensaiar ainda nos primeiros anos que sucederam a implantação da Imprensa Régia, logo depois da chegada da família Real ao Brasil, em 1908, sendo as obras, dessa época, de Cunho moralizante e publicadas em intervalos longos. As primeiras, em 1918, havendo um espaço de três décadas (1948) para que surgisse outra edição de livros para crianças.
No que diz respeito às características das obras, independente do tempo em que foram publicadas, todas tinham características, linguísticas e conteudísticas, que reportavam ao universo dos colonizadores do país, ou seja, ao mundo dos europeus, a seus costumes, fatos e valores, que os portugueses receberam das culturas consideradas superiores à deles. Estes traços marcantes da literatura do período monárquico, em que a subordinação absoluta a Portugal não possibilitava o rompimento com o modelo por ele imposto, estenderam-se até ao período republicano, que foi vivenciado como um momento de abertura econômica política e cultural para o Brasil, uma vez que a economia cafeeira permitiu e fortaleceu o surgimento de novas classes sociais, como: comerciantes, bancários, ferroviários, portuários e exportadores, além de outras pessoas diretamente ligadas à administração política e jurídica da República.
No bojo das mudanças ocorridas em vários seguimentos da sociedade, surgiram também as mudanças reivindicadas para o ensino, tendo em vista que intelectuais brasileiros, educados na Europa discerniam os obstáculos criados pelas diferenças existentes entre a linguagem falada pelos brasileiros e a utilizada na escrita dos livros traduzidos para a língua portuguesa para serem lidos no Brasil, o que ocasionava distorções, no sentido dos textos, e gerava desinteresse pela leitura.
Datam-se os anos que se seguiram à Independência, coincidindo com a propagação do Romantismo, através da imprensa, os primeiros esforços de alguns escritores, especialmente, José de Alencar, em elaborar obras numa linguagem familiar aos brasileiros, respeitando a sintaxe e valorizando os vocábulos do dia-a-dia.
Na literatura Infantil, a nacionalização das obras teve que esperar um pouco mais, até que com a tomada de consciência sobre a importância da leitura, com a criação de mais escolas. E com o apelo dos professores por obras didáticas, dedicadas aos brasileiros, as quais começassem a entrar em cenário com as adaptações de contos portugueses à realidade do Brasil. Ficando, pois, marcados os anos de 1890 a 1920, como os anos em que se deram os primeiros passos para o início da produção de obras de cunho nacionalista. Embora um pouco antes, em 1886, os professores Júlia Lopes e Adelina Lopes, tivessem organizado uma antologia de contos folclóricos, resgatados da oralidade.
Em 1905, o surgimento da Revista Tico-Tico deu novo impulso, talvez o mais importante dessa fase, para a construção da Literatura Infantil Brasileira, pela valorização da criança enquanto leitor e pelo empenho dos seus colaboradores, que mantiveram a revista em circulação por um número significativo de anos.
Porém a nacionalização das obras brasileiras não se deu em função de uma pesquisa junta ao povo da terra, e sim ainda conforme aos ideais europeus, que tinham como princípios básicos: o amor à pátria e a família; o respeito aos mestres e a concentração no espaço da escola e da família, dentro de um espaço maior: o Brasil. Suas regiões e cidades nominadas, mais um forte espírito de civismo.
Dentro dessa perspectiva, as obras que se destacaram foram: Conto Pátrios (1904) de Olavo Bilac e Coelho Neto; Histórias de Nossa Terra (1907) de Júlia Lopes; Através do Brasil (1910) de Bilac e Manuel Bonfim; Era Uma Vez (1917) de J. Lopes; e Saudade (1919) de Tale de Anchade. Na poesia: Poesias Infantis (1904) de Bilac; e Alma Infantil (1912) de Francisco Júlia e Júlia da Silva. Além das antologias folclóricas: A Festa das Aves (1910) de Arnaldo Barreto e Teodoro de Morais; Livro das Aves (1914) de Presciliana de Almeida; A Árvore Guedos (1909) de Alexina Magalhães; Cantigas das Crianças do Povo (1916) e Provérbios Populares Máximas e Observações Usuais.
Dentre os projetos editoriais relevantes do período, pode-se destacar o trabalho de Figueredo Pimentel, que em 1894 inaugurou a Coleção Biblioteca Infantil Quaresma com o Conto da Carochinha, e o da editora Melhoramentos (1915), que traduziu os contos de Perrault, Grimm e Anderson, além dos Contos Seletos das Mil e Uma Noites; Robinson Crusoé e As Aventuras do Barão de Munchhausen, traduzidas por Carlos Jansem, mais as traduções feitas por Abraches Lobo e Luís Machado, das obras da Condessa de Senguir.
Em 1919, a obra Saudade, de Tales de Andrade, encerra o fim do ciclo que se pode denominar como uma tentativa de nacionalizar a literatura infantil brasileira, mas que, como tentativa, não conseguiu transpor para as mesmas os cenários típicos de cada região ou cidades citadas, tampouco incorporar os costumes das crianças do Brasil, suas peraltices e, muito menos, seus anseios, ficando como característica principal das obras desse ciclo em oposição à literatura feita para adultos, a exaltação da natureza, principalmente, em sua última publicação, com a obra: Saudade.
Segundo Ciclo da Literatura Infantil
Em 1921, às portas da Semana de Arte Moderna e, em meio aos anseios de renovação, os quais se consolidaram com o advento do Modernismo, surge Monteiro Lobato, com a obra Narizinho Arrebitado, e com uma enquête sobre saci. Lobato deu início a uma série de obras, escritas em linguagem, temática e motivos, que desabrocharam o gosto infantil pela leitura das mesmas. Nesse aspecto, é mister lembrar que o despertar de tal gosto não se deu por acaso, visto que, Monteiro Lobato, na condição impar, até então, de escritor e de empresário empreendeu campanhas de divulgação de suas obras junto às instituições de ensino primário, às quais seus livros serviram como recursos materiais utilizados na sala de aula.
O referido escritor foi figura presente no cenário literário até 1944, quando se mudou para a Argentina. Contudo, ele não foi o único escritor infantil de sua época. Paralelo a sua atividade, depois da publicação de As reinações de Narizinho (1931), outros escritores do período modernista escreveram obras bastante lidas por crianças, como as de José Lins do Rego com as Histórias da Velha Totônia (1936); Cazuza de Viriato Correia (1938); Histórias da Lagoa Grande de Lúcio Cardoso (1939); O Boi Aruá de Lúcio Jardim (1940); Alexandre e Outros Heróis de Graciliano Ramos (1944). Na poesia apareceram os trabalhos de Guilherme de Almeida, O Sonho de Mariana e João Pestana (1941); A Estrela Azul e O Menino Poeta (1943) de Enriqueta Lisboa.
No período, compreendido com o da chamada “Era Vargas”, o LIB estava ainda mais fortemente empenhado nas propostas nacionalistas e patrióticas, moralistas, doutrinárias e militaristas, que, em muito, podaram a criatividade dos escritores. Entretanto lhes garantiram a permanência no mercado em função de o Estado proporcionar-lhes público e ganhos permanentes, tendo sempre como elo as editoras, os leitores e a mediação institucionalizada da escola.
As obras, relevantes desta fase foram: Meu ABC, (1936) e As Aventuras do Mundo da Higiene (1939) de Érico Veríssimo; A Festa das Letras (1937) e Rute e Alberto Resolveram ser Turistas (1938) de Cecília Meireles; ABC de João e Maria e Tabuada de João e Maria de Marques Rebelo; Pedrinho (1940); e a série de histórias do Tio Damião, a Baianinha (1942), O Indiozinho (1944), Gauchita (1946), elaboradas pelo pedagogo Lourenço Filho, que trouxe para a literatura infantil personagens oriundos de diversas regiões com seus usos e costumes.
Outro conjunto de obras prestava-se ao culto a personalidades como, por exemplo, o que tratava da infância do próprio Vargas : O Menino de São Borja, de Tia Olga, ou ao resgate de fatos históricos nacionais como, Episódios da História do Brasil em Versos, e Legendas para Crianças (1941), de Antônio Carlos de Oliveira Nafra.
Nas décadas de 40 a 60 surgiram novas obras e novos autores, mas ainda como uma continuação do modelo e dos temas anteriores, seja em obras adaptadas de outras literaturas, seja em obras ditas como sendo inéditas, nas quais verificam-se que houve também a continuação de obras históricas e as biografias de vultos nacionais, como : O Duque de Caxias (1947), Santos Dumont (1951), O Padre Feijó (1958), mais as obras que têm como cenário o seio da floresta: A Caminho d’Oeste, de Baltazar Godói (1951); Na Fazenda do Ipê Amarelo, de Clemente Luz (1962) e A Mina de Ouro, A Ilha Perdida e a Montanha Encantada, de Maria José Dupré.
Muitas obras dessa fase se dão ainda como reflexos da crise agrícola pela qual passou o país após a queda do grande ciclo do café no início da “Era Vargas”, embora estivesse vivendo outro momento político e econômico, que o projetava para a modernização por meio do crescimento da indústria, mas que não conseguia impedir o abandono do campo pelos trabalhadores que migravam em busca de vida melhor.
Depois de 1960 houve um crescimento notável de instituições voltadas para a editoração e divulgação de livros destinados a crianças, bem como o surgimento de associações e, até mesmo, a fundação da Academia Brasileira de Literatura Infantil, em 1979, em São Paulo.
A comercialização de livros infantis se aperfeiçoou, aprimorou seu projeto gráfico e as ilustrações, ampliando, com isso, o quadro dos que se dedicam à escrita para o público infantil.
As obras desta fase, mesmo já tendo passado meio século desde que Monteiro Lobato fez as inovações necessárias a LIB, conservaram traços que as identificam com o modelo Lobatiano. Os autores deram preferência ao cenário campestre, inseriram estórias dentro de outras estórias, e permitiram que as personagens transitassem de uma obra para outra.
Como quebra desse modelo surgem os trabalhos de Isa Silveira Leal, que se desprendendo do espaço rural m uma série de livros, focalizando o cenário urbano. Isa foi seguida por Odette de Barros que tematizou problemas de sua época em Justino o Retirante (1970) e A Rosa dos Ventos (1972) em que a autora demonstrou os resultados dramáticos para os jovens que se tornam dependentes das drogas.
Outros temas passaram a ser tratados, como: a pobreza, a injustiça, a marginalização, o autoritarismo e a condição miserável das crianças de rua. As obras marcantes deste período são: Lando das Ruas (1975), de Carlos Marigny; Pivete (1975) de Henry Correia; A Casa da Madrinha (1978), de Lygia Bojunga; Coisas de Menino (1979), de Eliane Ganem; Os Meninos da Rua da Praia (1979), de Sérgio Caparelli.
A idealização da sociedade (rural) brasileira que marcou as primeiras obras infantis foi substituída pelo realismo agressivo da vida urbana, que convive com a violência doméstica, alastrando-se para a rua, com o desagregamento da família, com o preconceito social sofrido pelas classes minoritárias: índios, negros, meninos de rua, etc.
Outros assuntos como: a destruição da natureza, o papel da escola, os maus-tratos aos idosos e a postura correta das crianças são tratados em linguagem mais próxima da realidade brasileira e mais compenetrados no dia-a-dia das classes sociais diversificadas.
Pode-se observar, ainda, na tendência contemporânea, a inversão dos contos de fadas, a inserção da ficção científica, das estórias de aventuras e do Toque dos romances policiais na LIB, como, por exemplo, O incrível Roubo da Loteca (1978) e O Caso do Sabotador de Angra (1980). A essas tendências, são somadas as que se voltam para o intimismo e o mistério, como A Vida Íntima De Laura (1974), de Clarice Lispector; O Mistério do Rapto da Flor do Sereno (1979), de Haroldo Bruno.
Não se pode esquecer, porém, da presença de elementos fantásticos, que dão às obras um toque de Magia como a dos Contos de fada, tal como ocorrem nas obra de Lygia Bojunga: A Bolsa Amarela (1976) e A Casa da Madrinha (1979), e nos contos Uma Aldeia Toda Azul e Doze Reis e A Moça do Labirinto do Vento (1983).
BIBLIOGRAFIA
LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina, Literatura Infantil Brasileira – História E Histórias. 5 ed. São Paulo. Ática.