CANTA BRASIL FEZ 50 AN0S
L. C. Vinholes
Em 20 de agosto de 1962, o Boletim Diário nº 156, da Divisão de Informações, do Departamento Cultural e de Informações do Ministério das Relações Exteriores, registrava a seguinte notícia:
A Rádio Kanto[i], estação comercial que tem seus estúdios na cidade de Yokohama, desde o dia 1º de maio[ii] próximo passado transmite diariamente, de segunda-feira a sábado, o programa Canta Brasil, patrocinado pela Companhia de Petróleo do Japão, com duração aproximadamente de quinze minutos, apresentando música brasileira, comentários em português e japonês. A emissora é ouvida nas áreas mais populosas do Japão. Os programas transmitidos aos sábados caracterizam-se pelo fato de apresentarem, como segundo número, uma poesia de vanguarda de autor contemporâneo brasileiro. Até o presente momento, foram lidos trabalhos de Vinícius de Moraes[iii], Manuel Bandeira[iv], João Cabral de Melo Neto[v], Carlos Drummond de Andrade[vi], Cecília Meireles[vii], Lêdo Ivo[viii], Frederico Schmidt[ix] e Pedro Xisto[x].
Na relação constante da referida notícia faltaram os nomes de outros poetas que, posteriormente, tiveram seus poemas apresentados ao público japonês: Mario da Silva Brito[xi], José Lino Grünewald[xii], Ozy Pinheiro Souto[xiii], Cassiano Nunes[xiv], Laís Corrêa de Araujo[xv], Dulce Carneiro[xvi], Augusto de Campos[xvii], Haroldo de Campos[xviii], Antonio Olinto[xix], Affonso Ávila[xx] e o cantador cearense Anselmo[xxi].
Logo nas primeiras semanas do programa Canta Brasil - que era uma seção do programa maior intitulado International Disc Jock[xxii] -, foi significativa a reação do público cativo da Rádio Kanto. Foram telefonemas e cartas enviadas à redação que justificaram pequena alteração nas transmissões para acolher a correspondência recebida e dar resposta, ao vivo, aos interlocutores, dentro os quais inúmeros nisseis que se encontravam no Japão como bolsistas ou acompanhando os pais que retornaram do Brasil ao país de origem.
Em maio de 1962, Mozart Varella[xxiii], gerente da Varig para o Japão e o Extremo Oriente, escreveu aos responsáveis pelo programa e manifestou satisfação em poder ouvir música brasileira em uma rádio japonesa, mas lastimou que o público não contasse com mais frequentes oportunidades, reconhecendo que, em parte, a culpa da música brasileira não ser mais difundida no Japão “seria nossa” - dos brasileiros -, e concluiu dizendo que outras músicas latino americanas são bem apresentadas ao público japonês, razão pela qual, afirma, o ponto alto, a “notícia” do programa é a seção da música brasileira. Acrescentou que possuía discos que estariam à disposição[xxiv].
Outra manifestação de interesse pelo programa veio do ministro conselheiro da Embaixada do Brasil em Tóquio, Wladimir Murtinho, que, em carta ao vice-presidente da Rádio Kanto Inc. Hideo Sasaki, assim se manifestou: “Foi com grande prazer e alegria que escutei a dois programas. Estou realmente satisfeito que o Sr. Vinholes esteja produzindo esse programa que, certamente, será um excelente meio de difusão da música popular brasileira entre seus inúmeros ouvintes. Desejo êxito completo e longa vida ao Nisseki Gold Show”[xxv].
Depois de ter realizado a Exposição de Poesia Concreta Brasileira, no Museu de Arte Moderna de Tóquio, em abril de 1960, parecia-me mais do que necessário de alguma forma divulgar a obra de outros poetas brasileiros, ícones das diferentes tendências poéticas da primeira metade do século XX. Quando, em março de 1962, fui procurado pela Rádio Kanto para produzir e ser o locutor de um programa dedicado à música popular brasileira, coloquei como condição uma programação mista de música e poesia. Propus ainda que o programa fosse bilíngue uma vez que considerava de suma importância dar oportunidade ao grande público de ouvir os sons e as características do idioma falado no Brasil utilizado por milhares de imigrantes e seus descendentes e estudado por centenas de alunos de algumas das principais universidades do Japão. Depois de semanas de negociações as propostas foram aceitas e determinados os horários para as gravações. Contei não só com o pequeno acervo de discos do Setor Cultural da Embaixada, mas também com a colaboração de brasileiros residindo em Tóquio, notadamente ligados ao escritório do Instituto Brasileiro do Café e à Comissão de Compras da Usiminas. O repertório de música brasileira, interpretado por cantores e conjuntos os mais conhecidos e populares, contemplou choros, frevos, sambas, marchas carnavalescas, valsas, rancheiras, baiões, maracatus e a recente produção da bossa nova.
[i]Kanto é a região geográfica japonesa na qual estão as cidades de Tóquio e Yokohama.
[iii]A um passarinho, da Antologia Poética, 2ª edição revista e aumentada, de 1960, p. 144, em 23.06.1962.
[iv]Namorados, de 50 Poemas escolhidos pelo autor, publicados pelo Serviço de Documentação, do Ministério da Educação e Cultura, p. 30, em 30.06.1962.
[v]A moça e o trem, dos poemas reunidos Duas Águas, Livraria José Olympio, p. 118, em 07.07.1962.
[vi]No meio do caminho, do Fazendeiro do Ar & Poesia até agora, Livraria José Olympio, p. 30, em 14.07.1962.
[vii]Poema 37, publicado no Anuário de Literatura Brasileira, 1961, p. 103, em 04.08.1962.
[viii]O amanhecer das criaturas, de Magias, publicado no Anuário de Literatura Brasileira de 1961, Ano 2, nº 2, p. 98, em 28.07.1962.
[ix] Soneto LV, de Babilônia, do Anuário de Literatura Brasileira de 1959, p.116, em 21.07.1962.
[x]3 haikais, prêmio do Pen Clube de São Paulo 1961, em 16.06.1962.
[xi]Ciranda, da antologia Universo, de 1961, em 27.10.1962.
[xii]Quarto Escuro, da coletânea Um e Dois, de 1958, em 08.09.1962.
[xiii]Poema, publicado na revista Leitura, nºs 55/56, p.33, de janeiro e fevereiro de 1962, em 20.10.1962.
[xiv]Blue, publicado no Suplemento Literário do O Estado de São Paulo, de 02.06.1962, em 06.10.1962.
[xv]As lentes, publicado no Suplemento Literário do O Estado de São Paulo, de 26.05.1962, em 29.09.1962.
[xvi]Estanque, publicado no Suplemento Literário do O Estado de São Paulo, de 23.06.1962, em 22.09.1962.
[xvii]Canto IX, de Ad Augusto per Augusta, Noigandres nº 1 (1952), em 15.09.1962.
[xviii]O azul é puro, do poema/livro Servidão de Passagem (1961), em 25.08.1962.
[xix]Fala do sonho, de O Dia da Ira, republicado no Anuário de Literatura Brasileira de 1960, p.118, em 01.09.1962.
[xx]Coração do urso, da Carta Sobre a Usura, publicado na revista Tendência da Universidade Federal de Minas Gerais, em 18.08,1962.
[xxi]Louvação, da coletânea Cantadores de Leonardo Mota publicada pela Universidade Federal do Ceará, em 08.11.1962.
[xxii]Em japonês era chamado de Nisseki Gold Show (Show áureo do século vinte).
[xxiii]Foi bolsista do Ministério da Educação do Japão, no período anterior a II Guerra Mundial.
[xxiv] “… I am very proud of the Brazilian music in general …”… “ … it is pity that Japanese public do not have more often such wonderful opportunities like this program you are giving them now” ... “ … it is pity that Japanese public do not have more often such wonderful opportunities like this program you are giving them now” … “I am quite sure that Brazilian music is not well diffused in Japan, may be for our own fault” ... “As far as other “Latin Music” are concerned, they are well introduced amongst Japanese public …” … “... the high point, the “news” of your program is truly the Brazilian music section” ... “I have in my home, several Brazilian records of high quality and I will be very proud to lend some of them to your program, would you deem it necessary”.
[xxv]I have listened to two programs and it is with great pleasure and enjoyment that I did so. I am very glad indeed that Mr. Vinholes is doing this program which will certainly be an excellent means of diffusing Brazilian poplar music among your many listeners. Wishing complete success and long life to the Nisseki Gold Show, I remain…”
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