Bispo aposentado foi enterrado ontem em Campinas, onde recebia cuidados médicos devido a complicações do mal de Parkinson e de câncer no fígado
RAFAEL PIEROBON
O bispo emérito de São Gabriel da Cachoeira/AM, dom José Song Sui-Wan, 71, que como padre trabalhou em Araras, morreu na tarde de quinta-feira (15), em Campinas, onde residia e era cuidado constantemente por enfermeiros. O corpo foi velado na manhã de ontem (16) e sepultado às 14h30, no jazigo dos Salesianos, no Cemitério da Saudade, também em Campinas.
Segundo informações da Arquidiocese de Campinas, Song residia no Liceu Salesiano devido a seu estado ter se agravado “e necessitando de contínuo acompanhamento de enfermeiros”. Além do Parkinson que o deixou sempre mais debilitado e aumentava seu sofrimento, “foi constatado um tumor na região do fígado. Em outubro de 2012 teve o quadro da saúde agravado.”.
De acordo com o portal a12.com, no mês passado foi internado para se preparar para a cirurgia. Foi operado, ficou na UTI do hospital por mais de uma semana, foi para o quarto e no dia seguinte teve que retornar à UTI. Quinta-feira foi constatada uma infecção generalizada que o levou a óbito.
Em Araras, como padre salesiano dirigiu o Santuário Sagrado Coração de Jesus e o Oratório São Luiz por oito anos (1994-2002), quando foi nomeado bispo para a região amazônica. Sua ordenação ocorreu em 2002, no Oratório Dom Bosco, zona leste da cidade. Devido a problemas de saúde, como a malária e o Parkinson, teve a renúncia aceita pelo Vaticano e se aposentou em 2009, voltando a morar em Araras, por vontade própria, onde celebrava missas.
Família de Song veio ao Brasil como fuga dos comunistas
Dom Song nasceu em Xangai, em 1941, numa família católica da China. Com a chegada dos comunistas ao poder, em 1949, e a perseguição religiosa, sua família refugiou-se em Hong Kong. Foi na ilha, então dominada pelos britânicos, que ele cursou o seminário. Temendo a devolução de Hong Kong ao governo chinês, o pai achou melhor ir para o maior país católico do mundo, o Brasil, levando a mulher e os seis filhos. A viagem, num navio de carga, durou dois meses e meio.
A família se instalou na cidade de São Paulo e ele aprendeu português num seminário salesiano. Recebeu a ordenação sacerdotal em 1971 e passou por Araras, São Carlos, Campinas, Lorena, Cruzeiro e Lavrinhas, trabalhando como pároco ou diretor de faculdades e colégios católicos.
Nunca mais voltou ao seu país. Poliglota, além do chinês dominava italiano, português, espanhol, inglês, francês, alemão, latim e grego.
Como bispo, teve a missão de comandar a mais ampla diocese brasileira territorialmente, povoada quase que exclusivamente por povos indígenas. Para chegar às localidades mais próximas, precisava navegar ao menos 4 horas de barco.
Nas visitas, celebrava missas, casamentos, batizados e crismas e fazia mágicas. Visitava casa por casa, coisa rara para um bispo. Visitou pessoalmente mais de 5,7 mil famílias. “Não forço nada. Os índios são muito religiosos e participam por conta própria”, disse em entrevista a sites da região.
Passagem por Araras ficou marcada
Em sua última missa em Araras antes de se mudar para o Amazonas, o bispo falou do carinho por Araras. “Em cidade alguma eu encontrei amizades tão profundas de um povo extremamente colaborador. Aqui em Araras, propõem-se projetos e conta-se com a adesão das pessoas. De nada vale um líder religioso ter ideias, se elas não forem apoiadas pela comunidade”.
Sua atividade no município ficou gravada sobretudo pela construção do Oratório Dom Bosco, no Parque Dom Pedro, inaugurado com a sagração de bispo. Mas é da Boscolândia – maratona de gincanas durante as férias – que as crianças e adolescentes da época não esquecem. Além de cantar e tocar instrumentos, o então padre Song atraía a garotada com suas habilidades em esportes e como mágico.
Nas redes sociais, muitos ararenses comentaram sobre a passagem dele por Araras. “Uma vez emérito, por conta do Parkinson, voltou e quis morar em Araras (SP), onde cultivava muitos e muitos amigos e dizia a nós, os mais próximos, que seu desejo era ser sepultado aqui quando chegasse sua hora. Uma pena que seu último desejo não será concretizado”, postou Luiz Roberto Turatti.
Já Dris Sans escreveu: “muuuiito triste, esse sim fazia jus à sua vocação, ele era MARAVILHOSO, com certeza está com Deus”. Para o jovem Guilherme Pierangeli, as gincanas no oratório marcaram época. “Grande homem. Quantas gerações não participaram da ‘Boscolândia’ lá no Oratório? Sempre fez um grande trabalho com crianças”.
Fonte: TRIBUNA DO POVO/Cidade, Araras (SP), 17/11/2012, página 7A.