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Artigos-->A qualidade da laranja -- 08/03/2002 - 20:19 (Haroldo Pereira Barboza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Qualidade da laranja.





Muitas corporações estão fazendo alarde de seus programas de contenção de custos. Serão estes os mais adequados ?



O suco



Se espremermos 4 ou 5 laranjas, vamos obter um apetitoso copo de suco, de uma saudável cor amarela, que sem dúvida alguma, será desejado pelos apreciadores de tal produto. No entanto, se derramarmos este copo numa panela contendo 10 litros de água, mesmo que gelada e previamente adocicada, dificilmente conseguiremos atrair voluntários a beber tal

mistura, por mais diplomas e certificados que possamos ter garantindo a honestidade de nossas ações. Acabamos de jogar fora : 10 litros de água, 30 colheres de açúcar, 4 ou 5

laranjas, nosso tempo e nossa credibilidade.



Ansiedade



Atualmente, estamos observando “laranjas espremidas” em algumas empresas, que tentam implantar o programa de Qualidade Total a toque de caixa, na ânsia de acumular centenas de pontos para que consigam obter diplomas e certificados que atestem uma boa performance no produto/serviço que oferecem aos seus clientes. Estão tentando preparar uma grande “laranjada” (talvez para acompanhar as “pizzas” diárias) no Brasil, com um

mínimo de frutas. Os japoneses levaram dezenas de anos adicionando copos cheios de suco à sua grande jarra. Armazenaram o bastante para começar a ingerir agora nesta década.



Capenga



Não negamos que várias empresas estão obtendo bons resultados com o programa. Ele é correto em 95 % de seu conteúdo, mesmo para nós latinos impacientes. Ocorre que o

processo deve ter uma outra variante que aqui não está sendo usada, ou seja : elaborar um plano sério nas escolas, desde as séries iniciais, para que o trabalho agora realizado, não

seja perdido em breve devido à diferença de conhecimentos, que ocasiona a defasagem

entre nossas gerações.



Parece economia



As empresas hoje em dia demitem mais do que admitem. Em muitos casos, esta é uma

ação inadequada, pois se possuem 100 empregados e afastam 30 precipitadamente (a título de contenção de custos), correm o risco de manter os 40 que efetivamente provocam os desperdícios. Então, quem aprendeu um pouco a praticar qualidade, sai. Vai servir ao concorrente. Dos que restam, a maioria nada aprendeu sobre o assunto. Já ouviu falar.

Fez um ensaio no setor anterior. Nem guardou suas anotações. Tem de ser educado para uma nova mentalidade. Ultimamente, as frases que mais ouvimos entre os “gurus”, são : “estamos em tempo de mudanças” ou “quem não acompanhar as mudanças vai sucumbir”.

Não estaria na hora das grandes empresas pressionarem o governo e exigir um maior

investimento na base, inclusive oferecendo ajuda no treinamento ? Onde está a parceria anunciada com tanta ênfase nos discursos proferidos nos seminários ?



Reformas na origem



Nosso programa de educação é que precisa sofrer uma profunda reforma para realmente

ensinar nossos filhos como entrar no concorrido mercado atual. É muito bonito falar em

globalização dentro das empresas que estão aparelhadas para se comunicarem com o

Mundo inteiro em frações de segundos. E os que estão fora ? Estão condenados a se tornarem os “sem-bits” ? Engordarão a legião de famintos revoltados que em breve será difícil de controlar por falta de oportunidade honesta ? De que adianta ser premiado num concurso com uma estadia de uma semana no hotel mais luxuoso da Espanha, se o

“sortudo” brasileiro não tem meios de adquirir as passagens ? Pura demagogia barata.



Investir no útil



Claro que um cidadão precisa conhecer algumas características de sua terra, bem como

suas fronteiras (inclusive para saber defendê-las). Mas daí a um sujeito morador do Sudoeste ter de decorar os afluentes do rio Amazonas e a altura exata de um pico no Nordeste, fica

evidente o desperdício do tempo na escola atual. Claro que um bom sujeito precisa idolatrar seus verdadeiros heróis (não os fabricados por livros mal escritos). Mas precisar saber : o modelo da garrucha que o Borba Gato usava e quantos botões haviam no casaco de

Fernão Dias na hora de uma batalha com índios, é muita tinta, papel e talento jogados fora.

Além destes absurdos, ainda temos de decorar nomes de várias cidades no extremo norte

da Ásia, do libertador de Roma 800 anos A.C. e outros tópicos do gênero. O processo de ensino deveria reduzir a carga horária destas matérias a 1/3 do tempo atual para que fosse

possível ensinar aos jovens, temas de interesse imediato ao indivíduo e à Sociedade, tais

como : trânsito, economia, segurança no trabalho, saúde pessoal, preservação da

Natureza, respeito aos idosos, combate a incêndio, ...



Absurdos



Também é um desperdício que os estudantes tenham quase 4 meses de férias durante o

ano. Somando Natal, Carnaval e duas semanas em julho, com certeza 45 dias seriam suficientes para um bom “descanso”. Porém, a atual e obsoleta estrutura já ensina o jovem

a não consumir muito esforço em busca de uma tarefa bem realizada. Daí, não é surpresa que alguns prefiram se tornar meros assessores políticos (apenas para ficar dando palpites),

atravessadores (de alimentos ou atletas esportivos) e comentaristas (políticos ou econômicos). Outro absurdo é esperar o final do ano para verificar se o estudante pode

“passar” de ano. Quando se descobre que ele está no “fundo do poço” em uma

disciplina, o referido aluno é obrigado a repetir todas as demais matérias, consumindo recursos da família, do governo, tomando o lugar de outro e ficando atrasado em relação aos seus contemporâneos.







Alerta



Se continuarmos a citar normas definidas há mais de 100 anos (que hoje já não atendem à nossa realidade), vamos gastar mais de 10 páginas neste texto. A intenção é apenas alertar

aos que ainda não se deram conta, de que nosso esforço atual em busca de melhor qualidade no trabalho (e por conseqüência, de vida), deve começar antes de se chegar ao mercado selvagem, para que daqui a 10 anos, os céticos não possam afirmar que o tal Programa de Qualidade Total foi somente mais um modismo que passou e que serviu apenas para que alguns mais espertos vendessem toneladas de livros com belas fórmulas “mágicas” de reengenharia para levantar empresas quase mortas.



Haroldo P. Barboza - jul/97









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