Quem é Pablo Capilé, o líder por trás do Mídia Ninja com um pé fora do eixo e o outro dentro do governo.
Pablo Santiago Capilé Mendes, de 34 anos. vive em dois mundos. No circuito Fora do Eixo (FdE), nome da comunidade que fundou e da qual é líder com status de guru, ele diz ser politicamente apartidário e defende a independência financeira do grupo a ponto de, dentro dele, fazer circular um dinheiro de mentirinha, o card. A 'moeda'' serve para 'remunerar' o trabalho de cerca de centenas de jovens que moram nas 25 casas do FdE, espécie de repúblicas de muros grafitados onde tudo é de todo mundo — incluindo as roupas, guardadas em um armário único e a disposição do primeiro que chegar.
Já no outro mundo em que vive, Capilé é um 'companheiro', como se referiu a ele o presidente do PT, Rui Falcão, e o dinheiro com que lida não só é de verdade como vem. em boa parte, dos cofres públicos.
O mais recente empreendimento do Fora do Eixo, por exemplo — uma casa inaugurada em Brasília no mês de junho para hospedar convidados estrangeiros e a cúpula da organização — foi montado com dinheiro da Fundação Banco do Brasil. A título de convênio, a fundação repassou à turma de Capilé 2040, 00 reais destinados, segundo sua assessoria, a 'estruturação do local, salários de educadores e implementação de uma estação digital'.
O Fora do Eixo tem outras duas dezenas de casas espalhadas pelo Brasil em lugares como Fortaleza, Porto Alegre e Belém do Pará. Não tão chiques nem tão bem aparelhadas quanto a de Brasília, elas abrigam, no mesmo esquema da casa de São Paulo, jovens que trabalham voluntariamente para a organização.
Parte deles atua no Mídia Ninja. grupo que ficou conhecido por fotografar, filmar e transmitir pela internet em tempo real os protestos de rua de junho. Outra parcela, bem maior, trabalha na organização e na divulgação de atividades culturais, como os festivais de música — o negócio mais forte do Fora do Eixo, e o caminho mais curto para o dinheiro público. Para chegar até ele. Capilé conhece bem os atalhos.
Em 2010, durante a gestão do também petista Juca Ferreira no Ministério da Cultura, ele foi nomeado membro do comitê técnico de música do Fundo Nacional de Cultura — entidade que financia projetos com dinheiro do governo e que tem na fila pedidos do próprio Fora do Eixo avaliados em 2 milhões de reais. Esses comitês costumam ter em sua composição representantes de variados movimentos culturais. Capilé não é o único. Mas é inegável que, desse posto de observação privilegiado, fica bem mais fácil vencer a apertada disputa por recursos públicos.
Hoje, outro integrante do FdE é suplente no mesmo comitê.
Embora se diga desvinculado de partidos, o companheiro Capilé posa e age como petista. Em sua página no Facebook, aparece com o ex-presidente Lula, abraçado à presidente Dilma Rousseff e em um papo animado com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Mas seu elo com o PT não se resume a fotos com gente importante. Em setembro do ano passado, quando Marta Suplicy foi nomeada ministra da Cultura, ele e os ativistas do Fora do Eixo espalharam elogios sem fim à nova titular da pasta nas redes sociais, sob a hashtag novo Minc. Nas eleições municipais de 2012, fez campanha para um candidato a vereador do partido em Belo Horizonte, Arnaldo Godoy.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Capilé afirmou que o Fora do Eixo movimenta de 3 milhões a 5 milhões de reais por ano, dos quais no máximo 7% seriam recursos públicos. Uma olhada nas planilhas exibidas na internet, no entanto, desmente a afirmação. Em 2012 entraram no caixa do FdE 627 900 reais em dinheiro de renúncia fiscal e verbas públicas, o que corresponde a 12%, ou 20% da movimentação financeira do FdE. Entre as empresas que patrocinam o Fora do Eixo pelo mecanismo da renúncia fiscal, estão a Petrobras, que vem pingando 777 500 reais no cofrinho de Capilé desde 2010, e a Vale, que contribuiu com 160 000 reais em 2011.
Nascido em Mato Grosso, o guru do FdE é do tipo eloquente em público e tímido em particular.
Passou a adolescência trancado em casa, receoso de expor o angioma na face, doença resultante de má-formação venosa e de difícil controle. Hoje, é admirado por boa parte da comunidade que lidera — para outra parte, uma minoria, é autoritário e de 'revolucionário só tem a pose', como disse um ex-colaborador. Nas casas do FdE um minuto de tête-à-tête com ele é considerado um privilégio.
Para Capilé, o fato de contar com dinheiro público e os vínculos com empresas não são um problema. 'Temos independência porque construímos os meios de produção', diz ele, referindo-se à mão de obra gratuita fornecida pelos moradores do FdE. Alguns deles deixaram seus filhos para viver na comunidade. Nesses casos, é o FdE que paga a pensão das crianças. No ano passado, nasceu o primeiro bebê que, segundo o Facebook do grupo, será criado coletivamente. 'Benjamin Guarani-Kaiowá', anunciou alegremente o FdE em um post, 'tem mãe e pai biológicos, mas será criado por uma enorme rede, veloz e nômade. Nasceu on-line com registro midialivrista e será uma construção/experimentação dos novos bandos urbanos'. Se a turma de Capilé soa assim meio fora do eixo, seu líder não rasga dinheiro — pelo menos não o de verdade.
|