"Laguna"
Reflete meu corpo ansioso por ar
e não mente, como espelho, em mostrar o que sou. Não valem caretas frente a ela, porque se feitas, são somente caretas. A "laguna" é uma lagoa vestida de espanhola com suas árvores em volta como saia de dançarina de Flamenco. Tenho os olhos e vejo, e se fosse cega nao poderia guardar seu verde e pensá-la em espanhol, talvez a imaginaria como algo inventado que nao teria um idioma marcado mas que se chamaria como me dizessem que se chama...
Por isso penso nos cegos. Como faz um ser humano cego , se ele nunca enxergou, para pensar uma lagoa? A minha Laguna não pode ser vista por Alê, que é cego.
E Alê não pode contar com ela como eu conto, nas horas em que preciso pensar em algo que me acalme.
Claro que sim: Alê pensa em algo que ele, seguramente, tem, no fim das contas, a vida não é só enxergar...
Alê tem que ter algum recurso, e a sua imaginação deve ter alguma lagoa,...
Alê! De que cor é a tua lagoa? Parece com a minha "Laguna"?
Temos algo nosso: a certeza de que nunca saberemos se as nossas lagoas se parecem. Sim, é terrível esta certeza, o unico lado menos rude é saber que temos a mesma sensação: estamos impossibilitados de igual forma, voce e eu, de saber o que cada um sabe. Por mais que você descreva sua lagoa, e eu fale da minha, elas não sabem se dialogam. E isto é nosso.
E então me pergunto como é teu mundo todo, que cara tem as pessoas, que cores tem o outono, que contornos tem um pássaro, um sapo, um jacaré, nesse teu mundo só teu, que não se pode compartir no reflexo instantaneo entre duas miradas, porque o que tu miras, nunca será o que eu miro.
Podemos pensar que nunca se vê o mesmo: ainda enxergando, duas pessoas nunca veem o mesmo da mesma forma.
É verade.
Mas elas conseguem trocar as lagoas com palavras ou desenhos, e as lagoas podem dialogar.
Sabe ...
isso seria realmente terrível, se a realidade não mostrasse como é relatico o que eu disse.
Porque nos dias em que sentamos, há muitos anos atrás, crianças que éramos, na beira da lagoa; você cego, eu enxergando,
de alguma forma inexplicável você descreveu uma "Laguna" que dançava Flamenco, parindo raios de sol no fim da tarde e abraçando uns peixes que a percorriam nas entranhas. Você falou a lagoa de uma forma tão "Laguna", que na minha memoria infantil ficou a certeza de que por uns instantes, a "Laguna" trocou seu sangue com a "Lagoa", e conseguimos percebe-las da mesma maneira. Como isto ocorreu?alvez a primavera e as férias, talvez a amizade e o carinho, os poucos anos de idade com nossa leveza radical... eu não sei.
Importa? Não, não importa. Porque é a única verdade que ficou para destruir a minha tortura quando penso que você (Alê!) não consegue como eu, ver o por de sol na lagoa: porque você me fez entender que você o vê, e que em algum lugar do universo- num momento determinado do tempo, que bem pode ser um coração humano, ou um cérebro que imagina, a cegueira da visão física pode ser bem pequena, não ser fundamental, não impedir o toque da beleza do mundo em dois pares de retina (um par intacto, outro par mudo) de donos diferentes.
Porque embora nossos pares retinais sejam diferentes - um mudo, outro intacto- nossos cérebros, bocas, corações, podem desenhar as lagoas, uma Laguna, outra Lagoa.
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