Acabo de conhecer, ainda em processo de gestação, os Filhos do Asfalto - coletânea de crônicas de Francisco de Assis Sousa – escritor eclético e poeta de carteirinha. Assis Sousa, guerreiro da mais nobre estirpe, tem seu quartel-general literário no sudeste piauiense (São Julião, Vila Nova...), onde exerce o magistério, inclusive acadêmico, em suas “horas de folga”. Ele, com dois livros publicados até aqui, (um de poemas, um de crônicas) e alguns outros na gaveta, tem-se constituído mui digno embaixador e menestrel da alma poética de sua gente, projetando-a com brilho em outras telas (plagas) brasileiras.
Pelo que a seu respeito me é dado saber, Assis é um desses baluartes que emergem de inopino nos pontos mais inusitados.Tem o DNA do inconformismo, a motivação criativa e é movido pelo hormônio do crescimento – princípios encontradiços nos intérpretes e transformadores de ambientes. Alguém pré-disposto a provar que o difícil é fácil, “longe é um lugar que não existe” e que “a vida só é dura para quem é mole”. Não manda recado, por saber que o dito não chegaria a tempo de ser entendido; prefere ir. Tal ímpeto é da natureza dos precursores, dos vanguardistas... os quais chegam ao cenário da luta antes que o inimigo “emplaque” seus truques e blefes, convencendo o desavisado de que “no meio do caminho tem uma pedra”, para, assim, poder tomá-lo de assalto
Meu contato com o Assis Sousa poeta deu-se em “à margem esquerda do Rio”, livro com que estreou em 2007. Nos passos seguintes, ele adentra o terreno da prosa. Seu ofício literário é estendido às crônicas. Neste gênero, já chegou ao segundo round: primeiro foi “Sorria enquanto é tempo”. Aliás, essa é sem dúvida uma sugestão para ser levada a sério. Agora é a vez deste “filhos do asfalto”.
Suas crônicas são vivências refletidas ou reflexões em formato de histórias?. Um painel social e humano em que o autor ora atua como “roteirista” e em que ora se camufla como personagem – quiçá protagonista – das cenas principais .É assim em “a décima salipada”, “meu Deus, que é (há) de nós?”, “as notícias que chegam do Norte” e assim por diante.
“E a chuva, que não vem?!” Eis o clima de incertezas que secularmente atormenta a nação sertaneja. Em seu lugar, veio a crônica com esse título, rica e saborosa. A criação mostra, entre outras evidências, que a inspiração do criador transcende a raia da poesia militante e sensível de suas primeiras experiências. Reportando o passado e apreendendo o presente, o vate agora se desdobra e se mostra prosador de futuro.
O bicho-homem que protagoniza suas crônicas mantém os estereótipos que historicamente têm marcado nosso povo nordestino. Entre estes a clássica sina migratória ainda viva no sangue caboclo - mesmo daquele contingente que, como nós, a modernidade tem incorporado aos “filhos do asfalto”.
Ali, a estiagem recorrente traz a escassez de sempre e, volta e meia, leva o sertanejo a buscar abrigo em sombras distantes (“mundo, mundo, vasto mundo, se meu nome fosse Raimundo...”) Pois as colheitas, como os meios de vida disponíveis na terra, são uma “vagem solitária” - título de uma das crônicas. “Vou trabalhar no ´trecho´ (...) roça não dá; estudar também não quero... O pau-de-arara de Patativa e Gonzaga (...) agora atende pelo nome de Itapemirim, Princesa... Tenho que chegar a tempo para o embarque (...) está marcado para as 5h30...”
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Quer na poesia, quer em prosa, o fato é que a literatura piauiense – de tantos exemplares preciosos – a maioria ainda “inédita” aos olhos do grande mercado - deve prestar atenção nesse moço. Assis Sousa não será um nome comum - há de ser marcado entre os raros. O amanhã lhe promete destaque em lista nobre. Se já, hoje, desponta viçoso na caatinga, é certo que tem fôlego e letra para sobrepor-se às intempéries das travessias áridas, e fazer a diferença em alguma estação do futuro. É tudo uma questão de tempo!.
• Gilson Chagas é Escritor e Professor Universitário em Brasília-DF.