Depois de aparecer no polêmico Clube da Luta, Edward Norton dirige, estrela e co-produz Tenha Fé
Edward Norton começou sua carreira vivendo um personagem ambíguo que confundia Richard Gere em As duas faces de um crime. De 1996 em diante, ele já interpretou desde um meigo noivinho, em Todos dizem eu te amo, até um neonazista, em A outra história americana. No seu mais novo passo para se afirmar como o jovem ator americano mais difícil de rotular, ele encarna um padre e ainda dirige seu primeiro filme, Tenha fé (Keeping the Faith, EUA, 2000).
Filmado a partir do roteiro de Stuart Blumberg, Tenha fé pode ser descrito como uma comédia romântico-religiosa que monta e desmonta um “quase” triângulo amoroso formado por um padre, uma executiva maníaca por trabalho e um rabino. Logo no início do filme, Edward Norton aparece cambaleante e começa a contar suas mágoas de amor para um bartender indiano. Surpreso, o bartender descobre que não está diante de um don juan abandonado pela mulher, mas sim do padre Brian Finn. A partir dessa primeira situação inusitada o público tem a chance de conhecer, em flashback, uma história que lembra alguma velha piada religiosa.
Brian Finn (Norton), Jake Schram (Ben Stiller) e Anna Reilly (Jenna Elfman) eram amigos na escola. Anna saiu da cidade e os meninos cresceram. Brian virou padre e Jake rabino. Ainda amigos, os dois estão determinados a modernizar suas respectivas crenças e a promover a união entre judeus e católicos. É então que Anna volta, a velha amizade dos três é retomada e acaba se transformando em algo mais. Brian se apaixona por Anna, que se apaixona por Jake, que também se apaixona por Anna. E o que poderia ser apenas a velha história de dois homens que amam a mesma mulher ganha contornos dramáticos pois o padre tem seus votos de castidade, a garota leva uma vida atribulada e o rabino vai ter problemas se os fiéis descobrirem que sua namorada não é judia.
As dúvidas e a (des)obediência às convenções conduzem os personagens a situações que provocam gargalhadas certas. Mas quem imagina que a graça de Tenha fé está apenas no envolvimento amoroso não perde por esperar. Algumas das seqüências mais inspiradas do filme fazem parte da “revolução religiosa” promovida por Brian e Jake. Em uma delas, Jake tenta animar os judeus durante o culto levando um coral gospel para a sinagoga. Em outra, Brian pergunta aos católicos quais são os sete pecados capitais. Como ninguém responde, ele tenta ajudar dizendo que eles apareceram “num filme muito popular com Brad Pitt”.
Seven – Os sete crimes capitais é apenas uma das várias referências cinematográficas que aparecem em Tenha fé. Outras obras citadas são Buena Vista Social Club, Rain Man, os seriados Pássaros Feridos e Melrose e até Mod Squad, que o padre Brian transforma em God Squad. Nessa sua estréia na direção, Edward Norton parece ter buscado inspiração nos maiores diretores com quem já trabalhou. Da obra de Woody Allen, ele trouxe a diversidade social e a sofisticação nova-iorquinas. E dos filmes de Milos Forman veio o próprio diretor, que interpreta o padre Havel, conselheiro de Brian Finn.
Em vez de converter seu primeiro filme em um veículo de auto-promoção, como já aconteceu com vários atores que decidiram se arriscar na direção, Edward Norton escolheu um roteiro em que o grande destaque não é seu personagem. Quem ganha maior dimensão em Tenha fé é o rabino de Ben Stiller, que, por isso mesmo, é a presença mais exuberante na tela. As confusões em que Jake se envolve para escapar do assédio das esposas judias em potencial e suas estripulias na sinagoga rendem seqüências que vão do patético ao sublime.
Já Norton, como sempre, está totalmente à vontade atuando. Mas é na direção que sua segurança, bom gosto ao evitar piadas e situações ofensivas e capacidade de transformar um ótimo roteiro em linguagem cinematográfica são estimulantes. Os espectadores mais exigentes podem até dizer que Tenha fé, com seus 127 minutos de duração, é um pouco mais longo do que o necessário. Mas quando Edward Norton aparece cantando Ready To Take A Chance Again, nos minutos finais da projeção, todos são levados a perdoar qualquer pequena falha neste filme despretensiodo e genial.