Usina de Letras
Usina de Letras
27 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63097 )
Cartas ( 21348)
Contos (13299)
Cordel (10354)
Crônicas (22576)
Discursos (3247)
Ensaios - (10632)
Erótico (13587)
Frases (51548)
Humor (20165)
Infantil (5580)
Infanto Juvenil (4925)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141242)
Redação (3356)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2441)
Textos Jurídicos (1966)
Textos Religiosos/Sermões (6341)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->MESA REDONDA SOBRE POESIA BRASIL-JAPÃO - COM MUKAI E HABARA -- 09/06/2014 - 18:29 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

MESA REDONDA SOBRE POESIA BRASIL-JAPÃO



SUZU NO  HANATABA



L. C. Vinholes



 



No âmbito do programa da viagem ao Japão, em setembro de 2013, além das atividades na cidade de Suzu e da passagem por Nagasaki, com visita à galeria permanente de obras do singular artista japonês Kubota Kaoru, foi extremamente gratificante o encontro com estudantes do Departamento de Ciências do Desenho da Universidade Musashino, em Tokyo, interessados nos aspectos visuais da poesia da segunda metade do século XX bem como com poetas de vanguarda dentre os quais cumpre lembrar Hitoshi Kanazawa, Keiko Ohnoda, Misako Yarita e com os docentes da referida universidade: Akiyo Kobayashi, diretor do referido departamento, e Michiyo Honjo, diretora administrativa do museu e da biblioteca da universidade.



 



 



O encontro aconteceu em 27 daquele mês, por ocasião da mesa redonda sobre o tema A Poesia Concreta Brasil-Japão da qual participei ao lado dos poetas Shutaro Mukai[i] e Shukuro Habara[ii], este também como moderador. Na sala repleta, o público estava frente a frente com a parede que servia de fundo aos panelistas, decorada com cinco painéis de 127,5cm na vertical e 35,2cm na horizontal na forma de “kakemono”[iii], com poemas escritos com a caprichada caligrafia de Habara, tendo o preto da tinta da China sumi, sobre o branco característico do papel artesanal japonês washi.



Quando entrei na sala do evento fiquei surpreso ao ver meu poema “Suzu no hanataba” (Ramalhete de Suzu) ao lado não só de outros dois poemas resultantes da minha experiência concretista, mas também acompanhando os dois poemas concretos de Mukai. Certamente mereceu ser lembrado mais uma vez pelo simples fato de que seus versos sempre terem chamado a atenção dos leitores japoneses pelo ritmo repetitivo e mágico de sua métrica simples e cadenciada e por criarem uma espécie de rima, algo comum na poesia ocidental, mas desconhecido da poesia japonesa.



Poemas de Mukai: Kyoku e Ki no hoshi za.



O primeiro poema é formado por seis repetições, na vertical, do ideograma kyoku, melodia/curva, sem data, tendo à direita de cada uma das repetições sua leitura anotada no alfabeto fonético “hiragana”, À direita destas, à margem direita e na vertical, a seguinte sequência:



                                                                                                                    notes of the music            kyoku            kyoku music, curve



 



ideogramas do nome do autor Mukai Shutaro e do título da obra,  kyokufu, composição musical/partitura, escrito com os ideogramas kyoku, melodia/curva e fu, papel pautado/notas, com sua tradução para o inglês “notes of the music”[iv] e, finalmente, o ideograma, com a leitura em japonês romanizada entre [ ] seguida da leitura em “hiragana” também com a leitura romanizada entre [ ], concluindo com a versão em inglês: music, curve[v]



                                             



                                                曲



                                                曲



                                                曲



                                                曲



                                                曲



                                                曲



 



Ki no hoshi za, de 1968, com os ideogramas  (ki),  (hayashi) e (mori), espectivamente árvore, bosque e mata, tendo o ideograma , repetido dezesseis vezes, divididas em quatro linhas de quatro ideogramas para criar um agrupamento, uma constelação – “a constalation” como certamente diria Eugen Gomringer -, e os outros dois, 木 e 材 alternados, definindo pontos externos, vegetação menos densa do que o aglomerado de dezesseis “mori”, cada um deles formado pelo de ideograma  repetido três vezes. Por sua vez, o poema em si parece ser uma grande estrela de oito pontas formas por quatro ideogramas de  e quatro de 材.



                                                                                                                   木                    材                  木



                                                                                                       森   森   森   森



                                                                                                        森   森   森   森



                                                                                         材                                           材



                                                                                                         森   森   森   森



                                                                                                          森   森   森   森



                                                                                          木                                材                  木



                       



 



 



O título do poema 木 の 星 座 = Constelação de Árvores é formado pelos ideogramas de árvore (ki), estrela (hoshi)  (za), os dois primeiros ligados pela palavra correspondente à preposição “de” na língua portuguesa. O ideograma 座 se traduz por assento, cadeira, banco, lugar do assento que com outros ideogramas forma palavras que fazem referência não só ao lugar onde se senta, mas também a locais onde se fica, onde se permanece sentado, onde há aglomeração, reunião de coisas. Exemplificando: almofada 座布団 (zabuton), assento 座席 (zaseki), reunião em mesa redonda 座談会 (zadankai),  conta poupança 口座  (koza). 星 座 é constelação, o lugar onde estão reunidas as estrelas, ou, no caso do poema de Mukai, as árvores.



 



Por outro lado, o poema Constelação de Árvores, utilizando, como elemento básico, o ideograma árvore, reproduzido nos seus três componentes, parece sugerir uma “leitura de imagem” mostrando, da sua periferia para o núcleo um adensamento do seu corpo e de dentro para fora sua rarefação. O autor que conhece o problema do Brasil e que estudou na Alemanha sabe o que acontece na Amazônia com o desmatamento exploratório e o que resultou na Alemanha em decorrência principalmente do bombardeio e consequentes incêndios da Segunda Guerra Mundial apagando o cartão postal da Floresta Negra. Esse comportamento ocidental foi repetido no Vietnam, no delta do Rio Mekong, com o desfolhar das matas pelo uso do “agente laranja” causador da “Yellow rain”, a chuva Amarela; e no Canadá com o corte desenfreado das florestas em áreas da Província de Colômbia Britânica, na costa do oceano ironicamente chamado de Pacífico.



Nos restantes três painéis que ornavam o evento, também com a caligrafia de Habara, figuravam meus poemas caminhos..., kagenai monokage[vi] e Suzu no hanataba.



 



 



                                                                                                                               caminhos



                                          caminho



                                          caminhos



 



 



 



Caminhos... foi criado em 07/11/1957 e exibido na exposição Poesia Concreta Brasileira, no Museu de Arte Moderna de Tóquio, entre 16 e 24/04/1960. Exposição repetida na Biblioteca Morisset e no Pavilhão Simard da Universidade de Ottawa de 04/11 a 02/12/1983, na Biblioteca Roberts da Universidade de Toronto em janeiro de 1985; e na VIII Exposição do Grupo T Zokei, na Galeria Mainichi de 01 a 06/10/1962, em Osaka, com planejamento gráfico de arquiteto Manoel Kosciuszko Corrêa. Foi também publicado pela editora Shin Nippaku, de Tokyo, em cartão postal, em dezembro de 1960; na revista Info Japan Pass-Present-Future, Vol. VI, nº6, p.22, número especial de junho de 1960, com verbetes do vocabulário em inglês e fotografias da mostra de Tokyo; acompanhado por versão-guia em japonês, no Boletim  da Associação Amigos da Espanha, da Casa da Espanha, em 01/07/1960; na  revista de cultura Diálogo n°13, p.64, da Sociedade Cultural Nova Crítica, de São Paulo, em dezembro de 1960; na revista Niigata-ken no Shi (Poesia da Província de Niigata), Japão, n°1, p.7, em 05/05/1963, no bojo do artigo de Takao Kurata Anotações de uma Visita ao Grupo Poesia Jovem. Em Tokyo, figurou ainda da Antologia de Poesia Concreta Brasileira publicada pela revista mensal Design nº27, p.28, de dezembro de 1961, com layout de parceria com o arquiteto Alex Nicolaeff e no ensaio Poesia Concreta e seus Poetas, de Fukao Sugai, publicado na revista mensal Josai nº 11, p.83, de 30/03/1962.



 



O poema seguinte é kagenai monokage escrito e publicado em setembro de 1960 na revista EM e em dezembro de 1961 na Antologia de Poesia Concreta Brasileira da revista Design, acima citada.



 



かげない ものかげ



かげない ものない



 



いろない ものいろ



いろない ものない



 



かげないいろ



いろないかげ



 



Romanizando, a leitura deste poema é como segue:



                                                                                                                                             



kagenai  mono kage



kagenai  mononai



 



ironai  monoiro



ironai  mononai



 



kagenaiiro



ironaikage



 



 



O minúsculo vocabulário nele utilizado consiste das palavras kage = sombra, nai = sem/não tem, mono = coisa e iro = cor.



A versão em português seria:



                                                                                                                                 



sem  sombra   coisa sombra



sem  sombra   sem  coisa



 



sem  cor   coisa  cor



sem  cor   sem  coisa



 



sombra   sem cor



cor   sem sombra



 



Finalmente o poema que motivou este artigo Suzu no hanataba foi escrito em 26/07/1962, em homenagem à cidade de Suzu, situada na Península de Noto, Província de Ishikawa, Japão, cidade irmã de Pelotas (RS), primeiras entre o Brasil e o Japão a formalizar laços de fraternidade em setembro de 1963. A seguir este poema é apresentado no original em japonês, tendo no centro da página a romanização da sua leitura e, no lado direito, a tradução para o português.



 



                                                                                           珠洲の花束         Suzu no Hanataba          Ramalhete de Suzu



 



 



                                                                                                  珠洲の海                   suzu no umi                                 mar de Suzu



                                                                                                  珠洲の山                   suzu no yama                               montanha de Suzu



                                                                                                   珠洲の夜                  suzu no yoru                                 noite de Suzu



                                                                                                   珠洲の洞                  suzu no hora                                 gruta de Suzu



               



 



                                                                                                  珠洲の朝                   suzu no asa                                   manhã de Suzu



                                                                                                  珠洲の砂                   suzu no suna                                 areia de Suzu



                                                                                                                  夜の珠洲                       yoru no suzu                             Suzu à noite



                                                                                                   珠洲の岩                    suzu no iwa                                    rochedo de Suzu



 



 



                                                                                                   珠洲の谷                    suzu no tani                                           vale de Suzu



                                                                                                   珠洲の川                    suzu no kawa                                            rio de Suzu



                                                                                                   珠洲の鳥                    suzu no tori                                       pássaro de Suzu



                                                                                                   珠洲の空                    suzu no sora                                              céu de Suzu



 



 



                                                                                                  珠洲の木                     suzu no ki                                             árvore de Suzu



                                                                                                  珠洲の葉                     suzu no ha                                               folha de Suzu



                                                                                                  珠洲の                           suzu no tane                                           grãos de Suzu



 



                                                                                                    珠洲の風                   suzu no kaze                                           vento de Suzu



                                                                                                   珠洲の寺                     suzu no tera                                          templo de Suzu



                                                                                                   珠洲の鐘                     suzu no kane                                            sino deSuzu



                                                                                                   珠洲の歌                     suzu no uta                                             canto de Suzu



 



 



                                                                                                  珠洲の峰                       suzu no mine                                         cume de Suzu



                                                                                                  珠洲の緑                       suzu no ao                                             verde de Suzu



                                                                                                 珠洲の屋根                   suzu no yane                                      telhado de Suzu



                                                                                                 珠洲の学校                   suzu no gakko                                     escola de Suzu



 



 



                                                                                                  珠洲の太鼓                  suzu no taiko                                      tambor de Suzu



                                                                                                  珠洲の大谷                  suzu no Ohtani                                    Ohtani de Suzu



                                                                                                   珠洲の子ら                 suzu no kora                                     crianças de Suzu



 



 



 



Suzu o hamatabafoi publicado no catálogo Noto Hanto no Tabi (Viagem pela Península de Noto), em 1963; na revista Design nº 44, p. 32, de março do mesmo ano; em 20/09/1965 na revista ASA nº 1, da Associação para Estudos da Arte, dirigida pelo poeta Seiichi Niikuni (1925-1977), revista dedicada à poesia de vanguarda que marcou os diferentes movimentos da segunda metade do século XX: no Japão com o espacialismo, no Brasil com a poesia concreta e na França com o produção dos poetas que subscreveram o manifesto do Comité Internationele pour la poesie nouvelle[vii] liderado por Pierre Garnier (1828-2014); e, finalmente, no convite da exposição realizada na Galeria Yoseido, em Tokyo, inaugurada em 28/03/1966, com obras do pintor Soroku Wani[viii].



 



Na primeira quinze de maio de 2014 os “kakemonos” aqui comentados foram doados ao Centro de Referência Haroldo de Campos[ix] em São Paulo, onde se encontra a maior parte do acervo que pertenceu ao poeta do concretismo.



 



Chegando ao término deste texto dou-me conta de que nada foi dito sobre as apresentações e os diálogos ocorridos durante a mesa redonda, sem dúvida objeto para ser lembrado em outro momento.



 







[i] Shutaro Mukai designer e poeta, apos cursar a Universidade Waseda, em Tokyo, formou-se em designe pela Escola de Desenho em Ulm, Alemanha, onde foi aluno de Max Bense; posteriormente frequentando o Instituto de Desenho Industrial da Universidade de Hanover. Regressando ao Japão em 1967, criou o Departamento de Ciência do Desenho da Universidade Musashino e, em 2003, depois de presidir o referido departamento, foi nomeado Professor Emérito. Autor de poesia concreta e livros sobre desenho e poesia dentre os quais The Origin of Desing e The Poetics of Form. Foi membro da Associação para Estudos da Arte (ASA), criada em 1965 pelo poeta Seiichi Niikuni.





[ii] Shukuro Habara, designer e poeta, sempre se interessou pela poesia de vanguarda e a elese deve a publicação das antologias homônimas Poesia Concreta Brasileira nas revistas Design nº 27 de 1961 e Graphic Design nº 18 de 1965.  Introduziu na revista japonesa “SD” (1964-1985), dedicada à arquitetura, à arte e ao design, o método tipográfico “mobile grid” de Karl Gerstner. Divulga grande parte de suas poesias em formato de cartão postal.





[iii] “Kakemono”, literalmente, coisa para dependurar, é uma peça de papel ou pano, geralmente mais longa na vertical do que na horizontal, na qual é pintada paisagem, flores, textos religiosos ou poéticos e caligrafias aprimoradas. Guarda-se formando um rolo, dai o termo inglês “scroll” comumente usado. Como ornamento é dependurado na parede do “tokonoma”, área nobre da sala japonesa.





[iv]“notes of music” ou “musical notation” (composição musical).





[v] Um exemplo do uso do ideograma 曲 com semântica “curva” na formação de palavras é  曲線 (kyokusen), que significa “linha curva”.





[vi] A sílaba “ge” em japonês é lida como “gue” em gueto.





[vii] Comitê Internacional para a Poesia Nova visando à promoção da “poesia nova”, a poesia “espacial” (poesia concreta, fonética, objetiva, visual, fônica, cibernética, serial e permutacional), com participação de poetas da Alemanha, Holanda, Bélgica, França e Japão (Kitasono Katsé, Shimizu Toshihiko e L.C. Vinholes).





[viii] Wani Soroku (1932- ) formado pela Universidade de Artes de Tokyo foi membro da Sociedade Internacional de Artes Plásticas e Áudio Visuais (ISPAA), com sede em Osaka, Japão, expos nas mostras da ISPAA no Japão, Malásia, Singapura, Hong-Kong, Austrália e Formosa e nas individuais em Tokyo, de 1959/1975. Participou da VI Exposição Internacional da ISPAA, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1968) e expôs na André Galeria de Arte, de 3 a 10/08/1976.





[ix] Centro de Referência Haroldo de Campos, Casa das Rosas, Av. Paulista, nº 37, CEP 01311-902.



 




Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 11Exibido 730 vezesFale com o autor