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Artigos-->Júlio Capilé (médico)* -- 17/07/2014 - 16:33 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Júlio Capilé (médico)*





Quem visita o médico Júlio Capilé, 93 anos, é recebido por ele, à porta de casa, no Lago Sul, com gentileza. As mulheres ganham um simpático beijo na mão. Comportamento de um cavalheiro à moda antiga. Cordial e lúcido, o primeiro dono de consultório no Plano Piloto, na 509 Sul, mantém a memória viva. Antes de ser doutor, Capilé viveu nas ruas. Dormiu sobre o asfalto do Rio de Janeiro.





Nascido em Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, Capilé foi criado entre índios. Saiu de casa aos 14 anos, ao lado do irmão mais velho, à procura de um futuro bom na então capital do país. Os pais, produtores rurais, rezaram pelos filhos, na esperança de que a cidade grande os tratasse bem. Os meninos passaram fome. Aprenderam a viver sem nada. “A única refeição do dia era um pedaço de bolo que chamávamos de mata-fome. Levava água, sal e fubá. Custava uns 10 centavos”, lembrou Júlio.





Para aliviar a sensação de estar faminto, Capilé mastigava folhas de palmeira. “Era o que os cavalos comiam na roça para engordar.” Durante o dia, procurava emprego. À noite, dormia no Jardim Botânico. Depois, mudou-se para o cemitério. Pegava no sono embrulhado em páginas de jornal. “Era um lugar silencioso.”





Aspirações





Apesar dessa história de vida, Capilé afirma nunca ter sofrido. “Sofredor é sempre sofredor. Tem gente que sofre até quando é feliz. Lembro de tudo com felicidade”, disse. Aos 17 anos, ele prestou concurso para a Polícia Municipal do Rio de Janeiro. Aprovado, ingressou na vida militar. “Já tinha feito teste para ser gari e condutor de bonde, mas sem sucesso”, afirmou.





Anos depois, prestou concurso para radiotelegrafista, profissional que recebe e envia mensagens via rádio. Nessa época, Capilé não pensava em ser médico. Formou-se aos 40 anos, depois de receber orientação espírita. “Conheci o espiritismo em 1945. Antes disso, era ateu. Certo dia, um médium se aproximou de mim, incorporado pelo espírito de André Luiz, e disse: ‘Temos aqui um futuro médico’”, lembrou o pioneiro.





Até então, o rapaz havia concluído apenas o ensino primário. Queria ser engenheiro, mas não tinha condições de pagar a faculdade. Ao receber a previsão, adiantou os estudos e passou no vestibular de uma universidade pública. Enquanto cursava medicina, Capilé trabalhava como radiotelegrafista para custear as despesas.





Graças a essa habilidade, veio parar em Brasília. O Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, precisou de alguém que transmitisse as mensagens. Com a mudança da capital, funcionários de lá foram transferidos. Capilé estava entre eles. “Fiquei amigo de Juscelino Kubitschek. Ele também foi telegrafista para custear a faculdade de medicina. Nós dois nos aproximamos. Eu era considerado o melhor na profissão. Vim para Brasília por isso. Acostumado a passar dificuldade, eu não liguei se aqui não tinha nada”, relatou. A mulher de Júlio, Laís Capilé, apoiou a mudança.





* Reportagem da jornalista Leilane Menezes, CB, 25/09/2011).





Capilé é proprietário do registro número 53 do Conselho Regional de Medicina do DF (CRM). Demorou a aderir ao grupo. Quando chegou a Brasília, no início de 1960, ele tinha apenas seis colegas médicos em atuação. Não havia consultório no centro de Brasília, até então. Os doutores estavam na Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante. Capilé orgulha-se de ter feito 1,7 mil partos de brasilienses. Desses, 71 foram cesarianas. O restante ocorreu de maneira natural. Ele foi também o médico da família do ex-presidente João Goulart.



O doutor causava polêmica ao hipnotizar pacientes para curar doenças, baseado em conhecimentos espíritas. “Chamavam-me de charlatão”, relembrou. Um dos poucos médicos da cidade, Capilé atendia durante toda a madrugada. Não cobrava de quem não tinha condições de pagar. “Almoçávamos às 3h da madrugada. Vi o Cine Brasília ser construído e inaugurado, mas não dei conta de ver sequer um filme naquela época. Não dava tempo.”



No DF, Capilé tornou-se médico do Tribunal de Contas da União, pelo qual aposentou-se, e também da rede pública. Trabalhou no Hospital de Base, no Hospital do Gama e no antigo Hospital Materno Infantil, o atual Hospital Regional da Asa Sul. Era ginecologista, obstetra, também tratava problemas renais e o que mais aparecesse.



Ao medicar, tinha como princípio a igualdade. Atendia candangos e políticos com a mesma atenção. Sente saudades de tempos nos quais “médicos sabiam cuidar do ser humano inteiro e não somente de partes do corpo”. Às vezes, quando precisa se consultar — Capilé tem problemas de coluna —, incomoda-se com a distância entre doutor e paciente. “Alguns nem olham direito para as pessoas. Já vão receitando logo. No meu tempo, medicina não era assim.”



Há 20 anos, Capilé deixou o consultório. Dedica-se à família. A mulher, Laís, desde o primeiro ano de casamento, recebe flores todos os sábados, sem falhar nenhum. “O pessoal da floricultura já fica avisado. Sábado é dia”, disse Capilé. O casal tem duas filhas e quatro netas. Há anos, Capilé descobriu uma nova paixão: a literatura. Tem dois livros publicados — um de crônicas e outro sobre espiritismo — e mais um na editora. Apaixonar-se todos os dias pode ser a receita da longevidade. Aos 93 anos, Capilé sente-se jovem.





* Por ocasião da matéria de Leilane Menezes (CB, 25/09/2001, Cidades).ília, DF, 25/09/2011 (CB



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