A primeira frase é sempre a mais difícil de ser escrita. Depois da primeira frase, todo o resto vem como que fluísse naturalmente das pontas dos dedos de cada escritor.
O que antecede a primeira frase são horas de pânico e desespero, sem nenhuma palavra escrita. A folha branca ilumina toda o recinto, enchendo o ambiente todo de um branco todo impenetrável. Na cabeça desalmada do escritor, derivam-se os mais inúteis devaneios. As mais inexpressivas opiniões, e todo tipo de besteira capaz de calar-lhe a ponta dos dedos.
A tarefa do escritor é árdua. Trabalhar com a cabeça enfurnada nas linhas do teclado, sejam do computador ou da máquina de escrever, por longos anos a fio, e jamais levantar-las pra ver a vida passar. È preciso ter muita disciplina, levantar-se cedo da cama, e enfrentar o árduo trabalho até a noite cair. Aos que convém escrever à noite, tud0o bem, contando que tenham algumas horas do dia para descansarem o corpo e não descansarem os neurônios.
É preciso saber escrever a primeira frase, e ela tem que possuir alguma noção resumida do que o livro inteiro vai dizer. A primeira frase tem que conter a fórmula do livro inteiro em si própria. Alguns dizem que se não puder resumir uma estória em apenas uma única frase, a estória em si, não merece ser contada.
Pensando nisso, percebi que a primeira frase, também deve ser especial, e conter o livro todo em si. Como um exemplo: As primeiras linhas do livro de Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão – “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.
Ou bem como Miguel de Cervantes iniciou sua odisséia d’O Engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha: “Num lugar de La Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia, não há muito, um fidalgo, dos de lança em cabido, adarga antiga, rocim fraco, e galgo corredor”.
Até mesmo na literatura americana pode-se observar o acontecimento da primeira frase, quando J.D. Salinger inicia seu Apanhador no Campo de Centeio: “Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso”.
E mesmo nos exemplares da literatura nacional onde Machado de Assis com seu Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte”.
A primeira frase vem no intuito de ser o impulso inicial do escritor, debatendo-se com sua própria alma, na busca de palavras que expressem seu sofrimento.