Usina de Letras

As gravações feitas pela Polícia Federal das conversas do ex-presidente Lula e da Presidenta Dilma na tarde de quarta-feira, 16 de março, pouco antes do anúncio de Lula como Ministro do Governo Dilma, precisam ser vistas como muita cautela e sob a ótica e interesses das partes envolvidas. Quanto ao conteúdo das gravações parece não haver dúvidas de que teve sim uma tentativa de interferir nas investigações da Lava a Jato, através da nomeação de Lula para um dos ministérios do atual governo, com a intenção de livrá-lo das garras do juiz Sérgio Mouro. É consenso que Sérgio Mouro vem aplicando penas duras os envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras. E sem um foro privilegiado, Lula não só correria o risco de uma prisão a qualquer momento como de uma futura condenação mais severa na questão do Sítio e do Apartamento já que tudo leva a crer que ambos pertencem sim ao ex-presidente. Ao virar ministro do Governo Dilma, Lula passa a ter foro privilegiado e só poderá ser julgado pelo STF, onde os membros tendem a aplicar uma pena menor.. Também é preciso reconhecer que Lula é um articulador hábil e tem força (ou, pelo menos, se acreditava ter) de reorganizar a base aliada do governo e assim enterrar o processo de impeachment da Dilma e arrefecer a crise política. Isso também é verdadeiro e não se pode negá-lo. No entanto, se esta fosse de fato a intenção do Governo, em nomeá-lo ministro teria de ter sido feita antes, quando ainda não havia um processo aberto contra Lula. Se isso tivesse ocorrido, não se contestaria a indicação de Lula. Mas me parece que este desgoverno está mais perdido que cego em tiroteio e só faz uma trapalhada atrás da outra. E convenhamos: as gravações atestam justamente o contrário do que o governo e o Lula diz. Esse é um dos pontos. O outro é com relação as razões que levaram Sérgio Mouro a grampear o telefone celular do Lula e por que razões ele tornou essas conversas públicas logo a seguir a sua nomeação. Para impedi-lo de assumir o ministério. Claro que devido ao conteúdo das gravações pode-se alegar que se tratam de interesse público. E de fato são. Principalmente àquelas em que ele faz duras críticas ao judiciário. Mas há uma questão muito grave nisso: o abuso indiscriminado de escutas telefônicas. Mesmo que Sérgio Mouro diz que mandou interromper o grampo antes do anúncio e a Polícia Federal diz que não foi bem assim, num jogo de empurra-empurra, mostrando que há algum tipo de ilegalidade e abuso de poder aí, tais gravações não deveriam ter vindo a público da forma que vieram. Por mais que ele tenha se sentido ultrajado nessas conversas, ainda sim é um juiz e responsável por um dos maiores processos (se não for o maior) judiciais desse país e não deveria ter agido de forma precipitada e com um ar de vingança. Talvez não seja exatamente uma vingança, mas da forma como foi feita, não há como separar uma coisa da outra. Claro que muitos não se dão conta disso, mas há essa sensação. Lula era a cereja do bolo e condená-lo seria fechar a Lava a Jato com chave de ouro. Ele escapou de suas mãos com a sua nomeação para o ministério e a divulgação das gravações era uma forma de Sérgio Moro dar-lhe o troco e quem sabe impedir-lhe a nomeação e assim o processo continuar em suas mãos. Dados os últimos acontecimentos, há uma grande chance de que tenha alcançado seus objetivos, se realmente esta era sua intenção. Mas este fato nem é o mais relevante. O que me preocupa é justante o estado policial no qual estamos vivendo. Se o ex-presidente tem os seus telefones grampeados dessa forma, o que não dirá do cidadão comum? Não sei qual será o resultado de tudo isso, mas temo pela democracia. No fim de tudo isso ela pode ser a mais prejudicada. Só espero estar enganado. Para o bem do país.