INCESTO, INFRAÇÃO MORAL OU ÉTICA?
Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras.
A questão do incesto sempre me preocupou. Ele é uma união natural que a sociedade condena, é um pecado, ou uma desobediência civil? Em suma, o que é o incesto? O que pode ser considerado incesto? Que mal traz o incesto? Mas, judaica e cristãmente, como teria sido possível começar o mundo apenas com Adão e Eva e seus filhos, se não houvessem praticado o incesto?
Talvez pudesse ser considerado um tabu social, conforme li na internete, se não houvesse proibição legal. Ou melhor, se alguns países não houvessem inscrito sua proibição nas leis.
Lembro-me ainda da leitura que fiz de um clássico português, bastante conhecido e lido entre os brasileiros: “Os Maias”, romance de Eça de Queiroz, que aborda com profundidade a ligação incestuosa dos dois personagens. Registra, com profundidade e clareza, aquele tempo em que os irmãos Maias viviam engaiolados, escorraçados pela sociedade, no Ramalhete, um palácio de Lisboa antiga, conforme referido romance. E, como sabemos, Eça era um realista, tudo o que ele escrevia tinha ligação direta com a sociedade portuguesa e, de modo especial, a vida de Lisboa daquele tempo. Nada era de graça.
Pesquisei, entre outras fontes, na internet – que outro lugar melhor, hoje, para saber-se de quase tudo? – afirmações de que em Portugal existem, atualmente, leis que proíbem o incesto. Quais? Minúcias, indicações de códigos sobre leis proibitivas de relações incestuosas, tais como casamento entre irmãos, filhos e mães, filhas e pais, etc., que fiquei para os advogados. Eu conto apenas alguns casos de incesto.
Em primeiro lugar, apontamos um caso que está em muitos lugares da divulgação da mídia: Na Inglaterra, registrou-se recentemente o caso de pai e filha, respectivamente Andrew Butler, de 46 anos, e Nicola Yates, de 26 anos, terem sido denunciados por seus familiares, e detidos pelo crime de incesto. É um exemplo não muito comum, mas que aparece, hoje, nas novelas da Rede Globo a três por quatro: Butler só conheceu a filha quando esta tinha 20 anos e ele ia lá pelos 40, de forma que foram denunciados depois de conviverem cerca de 6 anos. De acordo com o direito penal britânico, eles estariam sujeitos a uma pena não superior 2 anos. É um caso invulgar, se colocado ao lado da ficção de Eça de Queiroz. Primeiro porque eram estranhos um ao outro, não se conheciam. Assim, pai e filha não estavam errados, pois eram estranhos um ao outro quando se juntaram.
“E se fosse em Portugal”?pergunta o jornalista. E ele mesmo responde: “Ao contrário do que provavelmente pensa a maioria das pessoas, o nosso Direito Penal não prevê o incesto como um crime em si mesmo. Relações sexuais consentidas entre adultos não são criminalizadas, mesmo que entre eles haja uma relação de estreito parentesco. E já era assim nas Ordenações do Reino e nos Códigos do século XIX. É importante notar, porém, que a lei portuguesa pune de forma agravada, aumentando em um terço os limites máximos e mínimos das penas, os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual praticados por ascendentes contra descendentes (e vice--versa)”.
Compreenda-se que a relação familiar tornaria a vítima mais indefesa e sujeita ao crime de incesto e, hoje, à pedofilia e crimes conexos. Mas, a solução portuguesa baseia-se na proteção da liberdade sexual da vítima, porque entende que as relações sexuais consentidas entre adultos não devem ser motivo de punição. A solução britânica tem ressonância ética e, segundo o liberalismo, filia-se ainda à tradição vitoriana. A questão é, pois, saber que solução jurídica merece. Teria necessidade de proteção? Em tudo, leve-se em consideração a questão social e a requerida pelas leis do país onde se trate do caso de incesto. “A solução portuguesa não implica a aceitação moral do incesto, mas apenas a perspectiva de que o direito penal só deve intervir onde existir uma ameaça contra direitos fundamentais ou bens essenciais”, acrescenta o jornal.
Parece melhor ficar com o filósofo Herbert Hart, pois ele acredita que a separação entre direito e moral permite à moral fortalecer-se, não aliviando, de forma alguma, as consciências do conflito, com o pretexto de que a lei deve resolver tudo da vida do cidadão e da cidadã. Resumindo o pensamento do filósofo: “Pretender que o direito seja a única moral dos nossos dias é pressupor que há uma concepção moral oficial e que compete ao Estado realizar não um mínimo, porém um máximo ético”. Vale, portanto, conferir o jornal português on line “Correio da Manhã”.
Sobre o Brasil, não se sabe nada, praticamente. A não ser a ressonância dos perigos do incesto, como é mostrado pelas novelas da TV Globo e também o que possa ferir a saúdo do nascituro do casal pela consangüinidade. Refiro-me, de modo especial, à novela “Velho Chico”. Ela está sendo a sensação de nosso povo, embora não seja transmitida no horário nobre, só um pouco mais tarde. Creio que “Velho Chico” se destina a um público intelectualizado. Ou não? O caso é que a filha do Santo, de nome Olívia, namora o irmão, Miguel, sem saber que são meio-irmãos. E mesmo assim a ficção novelesca deixa o público entrever que estão em vias de praticarem um crime (ou pecado), pois eles não se aproximam muito do ato sexual, como se o próprio instinto indicasse proibição. No Piauí, conheço o romance “Os irmãos Quixaba”, do escritor William Palha Dias, membro da Academia Piauiense de Letras. Escritor de renome, da linha naturalista-realista, falecido há algum tempo. Ele conta uma história triste da vida sexual entre uma moça e seu próprio irmão. O incesto tornou-se um caso de polícia, no sul do nosso Estado.
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