Desde pequeno eu sou fascinado com as luminosidades que se insinuam no dia da gente. Sempre fiquei admirado de tanto que vi a imensa bola de fogo aquecer meus braços pequenos e meu rosto pálido; desde que me conheço eu procuro a luz e suas vertentes, as cachoeiras de raios que vertem todas as manhãs do céu azul. Eu adorava pensar que as nuvens tinham formas de gigantescas estátuas ou, mais tarde, se tornavam ameaçadores monstros de indizíveis poderes. Desde que sou pequenino que meu corpo procura o astro como os pequenos pés de feijão que cresciam na varanda de nosso jardim, cuidadosamente plantados por minhas pequeninas mãos; era de se ver como os caules finos se entortavam e seguiam os rumos da vida que se insinuava, carregados do peso crescente dos frutos que separavam das folhas, eu sempre olhava depois da escola como meus pequenos filhotes vez por outra se abraçavam, como em apoio mutuo, e criavam mínimas florestas de caules desenxabidos e folhas que lutavam à claridade resplandecente do amanhecer. O sol, então, crestava os brotos que se curvavam à majestade, prenhes de orgulho e possibilidade, sabedoria e devir e eu os olhava, raciocinando que, mais dia, menos dia, lá surgiriam pequenos animais que se fartariam com as tenras folhas, bem ali sob meu nariz, a multidão de ruídos de roer, de mascar, imensos ruídos de estalar mandíbulas, pequenos ruídos de macerar, engolir, moer com pequenos dentes e garras. Sim, eu sabia ser tudo, mesmo a luz e os caules, as folhas e os ramos, a floresta e os troncos, sabia ser efêmero. Tudo, eu sabia, durava o tempo certo que o Sol risca nos horizontes destes e de outros mundos, onde sequer há vida ou o que quer que se chame algo parecido com a vida. O mundo passava, eu pensava, e os caules compridos amadureciam seus feijões na jardineira que desafiava o quintal de cimento batido, o oásis no deserto de minha infância, os ventos que em dias de raiva fustigavam as plantas que se curvavam como eu, estalavam como eu, choravam de medo como eu chorava e mais dia, menos dia, estávamos ali, em plena vigência da esperança.
Hoje eu tenho uma única lembrança do passado e que vai comigo iluminando minhas noites, uma fosforescência que me lembra as preces de minha avó, a religiosidade que movia sua alma caridosa e amiga; uma Santa que anima as minhas preces, uma estatuazinha de pé quebrado que tem toda a minha verdade. No meio dos átomos da escultura feita de material simples, estão as lembranças do que eu vivi e dos dias que se foram e dos que virão. Eu diria que a santinha tem mais dentro de si do que o Universo inteiro soube captar. Devem existir santinhas semelhantes em cada mundo; eu imagino uma destas embalando os sonhos de uma criança lá longe, a milhões de anos luz daqui, enquanto a avozinha reza um terço, semiadormecida, louvando as luzes que o dia trouxe e o pão que alimentou seus rebentos. Na verdade, os átomos todos ressonam, há os milhares de realidades possíveis, cada mundo é um átomo dentro da santinha que reluz depois que se apaga o abajur, cada noite é uma reflexão de um todo e uma parte do todo que rebrilha numa prece de milhões de avós em mundos paralelos...
A santinha continua lá, perfeita.
E eu adormeço, porque acima de mim.... Rebrilha a luz.
|