Grande parte da população acredita que o destino de cada ser vivo está traçado antes mesmo dele nascer. Partidários desta tese encontramos de sobra: pastores de certas religiões que existem apenas para obter a "doação" do patrimônio de cabeças fracas (após elaboradas sessões de lavagem cerebral), incompetentes que se deixam vencer por pequenos percalços no trajeto da vida, vendedores de objetos inúteis e defensores de processos onde o cliente acusado é abastado e estão tentando enquadra-lo num artigo mais brando, onde a frase mais comum é: "- Ele não sabia o que estava fazendo quando ateou fogo ao índio. Suas faculdades mentais estavam embotadas pelos dois (15) goles de cerveja (tecos de pó). É réu primário (apesar de já ter 10 processos nas costas)".
Se esta teoria de destino traçado fosse verdade, bastaria ficarmos deitados ao acordarmos, aguardando o próximo ato escrito pelo Senhor do Universo. Este é o verdadeiro papel dos fantoches. Não precisaríamos de pernas. Seríamos arrastados para o ponto definido no momento adequado para participar de alguma cena programada com antecedência.
Podemos admitir no máximo, que a Entidade Suprema que administra o mundo, tenha traçado quatrilhões de destinos sobre o tabuleiro que conhecemos como universo. São trilhões de alturas, paralelos e meridianos invisíveis a nós, que se interceptam a cada palmo a alguns centímetros da superfície do globo. Nós caminhamos por este labirinto ao longo da vida (raras vezes sobre o mesmo caminho de poucos centímetros já explorado antes até mesmo por outra pessoa) e a cada cruzamento, um fato novo se apresenta em nossas vidas. Quando este fato é marcante costumamos dizer que o personagem deu sorte ou azar e que não poderia mudar seu destino.
Observe estas duas cenas abaixo e tire suas conclusões.
Cena 1 – Um sujeito vem andando pela calçada olhando para o alto. Ao observar um objeto caindo, se desvia 20 cm (entra numa das ramificações citadas acima) rapidamente e esbarra na bela jovem que apreciava uma vitrine nas imediações. Ela não percebe o copinho de limonada vindo do quarto andar que se espatifou atrás do sujeito e julga que ele quis tirar um sarro nela, devido ao seu justo vestido decotado. O enorme irmão dela, já irritado com o entregador de pizza que emitiu uma gracinha para ela há menos de 2 minutos, solta um tapa na orelha do sujeito que tomba, bate com a cabeça na pilastra do prédio e falece no ato. Os acontecimentos posteriores exigiriam mais 150 páginas. Não vou relata-los. Você continua a novela.
Cena 2 – O sujeito vem andando pela calçada olhando para a bela jovem de vestido justo e decotado que aprecia uma vitrine. Sente uma ardência no ombro ao ser atingido por um copinho de limonada que caiu do quarto andar. Desmaia com a dor. Deve ter quebrado a clavícula. A jovem e seu irmão socorrem o atingido. O levam para a clínica que pertence à família. Passados 45 dias, o sujeito já está de noivado marcado com a rica herdeira. Passou a trabalhar como secretário do futuro cunhado. Você também pode continuar esta novela.
Percebemos que o desvio de um passo proporciona roteiros para duas novelas distintas. A cada segundo, bilhões de novelas estão sendo montadas através do mundo. E por milhões de vezes entramos em novelas alheias (ou encontramos sujeitos estranhos em nossos romances). Portanto, preste atenção onde pisa a cada instante. Esteja atento a cada movimento executado. Se você estiver no quarto andar de um prédio e lançar um copinho de limonada através da janela em direção à calçada, certamente estará alterando o roteiro de várias novelas que se desenrolam sob seus pés.
Haroldo P. Barboza – Matemático, Analista de computador e Poeta – Abril / 2002