Treze de Julho de 2018
Mais uma sexta-feira treze , mais uns dias de festa para a nossa linda vila de Montalegre.
Aqui está a festa mais popular de Montalegre, a terra onde nasci, uma vila que em pleno século XXI revive toda a sexta-feira treze o modo de pensar, de viver em tempos medievais, isto porque a própria vila é uma cópia perfeita daqueles tempos: construções de pedra a durar mais de oitocentos anos, o castelo tão lindo quanto assustador, cresci à sombra dele, sonhava com bruxas, morcegos endiabrados a voar sobre o telhado da nossa casa, era encantamento à mistura com medos antigos.
Acho que sexta-feira treze sempre foi um dia para o bruxedo se espalhar pela vila e fazer das suas. E as consequências eram danosas para as pessoas, para a natureza: as plantações,único meio de sobrevivência para aquela gente simples convencida de que o bruxedo era mesmo real e as atingia em cheio. Se a colheita era escassa, a culpa foi do bruxedo, se a pouca sorte lhe batia à porta, a culpa foi do bruxedo.
Se o namorado fugia para os braços de outra, a culpa era do bruxedo: bruxaria à solta e a levar a culpa de quem não se dava conta de que a culpa era mesmo sua.
O tempo se encarregou de mudar tudo isso, e hoje
sexta-feira treze é dia de festejar muito, uma grande festa que dura vários dias, até semanas porque os preparativos exigem que as ruas, as casas, as pessoas se moldem aos tempos medievais, que a modernidade se vista com cores,traços, jeitos medievais de ser, porque o cenário é a própria vila, os atores são a própria população.
Por ser uma região vizinha da Galiza, dali nos vem muita música galega: gaitas de fole percorrem as ruas deixando no ar o som que invadia as casas em tempos medievais, junto vem também o mundo medieval galego e se juntam ali numa grande festa que atrai milhares de pessoas de Portugal inteiro, da Espanha, e até da França, sem falar nos imigrantes que chegam às centenas para reverem a família, a sua terra, e a esperá-los está o que antes era causa de sofrimento como o pastoreio, em dias de neve, cultivar a terra em condições precárias com falta de tudo, enfim, não se sai da sua terra sem que haja por trás um forte vendaval que os empurra para bem longe dali. Agora tudo virou festa, um bom sinal, sinal de que cada um superou a vida que ali lhe era oferecida e agora voltar tem o doce sabor da vitória, da superação.
A esperá-los, uma grande festa neste ambiente medieval, tão singelo quanto belo; a festa dos pastores; festa da colheita; a feira do fumeiro: outra tradição medieval a mostrar ao mundo o sabor das delícias que mãos de fada iam preparando para alimentar a sua família. Ali se vendem os famosos defumados, os presuntos tão apreciados por Portugal inteiro, o pão, os folares, o mel da região, enfim, tudo que antes foi o único recurso de sobrevivência para aquele povo, hoje é motivo de festa, de alegria. Uma amostra de um povo que superou as dificuldades e quer perpetuar as boas lembranças daqueles tempos.
A bruxaria também tinha lá seus encantos: os unguentos com que se perfumavam e curavam suas feridas, as ervas medicinais, a medicina popular, tudo isto estava eivado de uma certa áurea transcendental associada à bruxaria.
O Padre Fontes, nascido, criado naquela região, viveu cercado deste mundo medieval, de tradições,da proximidade com a vizinha Galiza, uma vez padre, ao invés de tentar apagar réstias desse mundo, aproveitou bem esta tradição e transformou tudo em festa, ele mesmo se caracteriza de bruxo, deu para si o status de bruxo mor e do alto do castelo iniciou, ainda com muito vigor, a grande festa da sexta-feira treze, a vila é um grande palco medieval, o castelo todo iluminado lembra um reino antigo.
Ao ar livre, em volta do castelo, um teatro nos moldes medievais contando histórias da época. A festa termina com o esconjuro do Padre Fontes que do alto do Castelo, agora do alto da sua idade avançada, ainda encontra forças para esconjurar “bruxas, dianhos, maus espíritos, feitiços das mezinheiras, luz de mortos penantes, mau olhado, negra inveja, ar de mortos, trovões e raios, uivar de cão, piar de moucho, pecadora língua de má mulher, tudo isto dito enquanto ali, como parte do ritual, ele mesmo, Padre Fontes prepara a queimada: um fogo forte, labaredas altas, um caldeirão de bruxaria, ali começa o esconjuro enquanto prepara a famosa queimada do Padre Fontes: água, aguardente, ervas medicinais de bom sabor, açúcar queimado à mistura com frutas e especiarias locais. E o ritual continua enquanto a queimada é apurada naquele fogo:com esta colher levantarei labaredas deste lume, que se parece com o inferno, fugirão daqui as bruxas, por riba de silvaredos, e por baixo de carvalhedos a cavalo de suas vassouras de giesta. Ouvide! Ouvide! O rugido das que estão a arder nesta caldeira de lume. E quando esta mistela baixe por nossas guelas, pelas nossas gorjas, ficaremos livres dos males de todo o embruxamento.
Forças do ar, terra, mar e lume, A vós requeiro esta chamada. Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei que os Espíritos ausentes dos amigos que andam fora participem conosco desta queimada”.
Um a um todos se juntam para beber a queimada do Padre Fontes e se vão contentes com a beleza do espetáculo e crentes de que expurgaram ali toda a bruxaria que contra si alguém ousou fazer.
Lita Moniz
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