A MONTANHA MÁGICA DE THOMAS MANN
Ana Maria de Oliveira Ramos
Apesar do medo, das angústias e das incertezas decorrentes da epidemia por SarsCov-2, de ver entes queridos e próximos enfermos e internados em Unidades de Terapia Intensiva e alguns deles partindo para o além, foi uma experiência notável reler “A Montanha Mágica”.
Começa pelo cheiro do carvão da fumaça do trem, das paisagens infinitas e os odores revelados durante a subida à Montanha Mágica. Um rapaz, ainda jovem e com a vida pela frente, se aventura em uma visita a um primo enfermo hospedado em uma estação de inverno no alto de uma montanha, tratamento único da época, usado na tentativa de cura para a tuberculose.
Durante o caminho à montanha, o jovem recorda a figura imponente do seu avô, um personagem patriarcal imponente, que me fez lembrar do meu avô Ademar. Ele descreve a enfermidade do avô, sua dor e agonia e seu velório, e o quanto tudo isso marcou a sua vida de perdas.
De volta ao passado, vendo as paisagens corretem contra o vento frio, descreve cenas magníficas com uma leveza e realidade que impressionam: as docas, os vagões da estrada de ferro, comparando os guindastes com grandes elefantes. Também detalha sua vida de luxo e comodidades e as etiquetas herdadas do seu avô.
O jovem estudou engenharia náutica inspirado nas docas e nos navios que iam e vinham, apesar de ter sentido uma certa aspiração política. De saúde frágil, sobe às montanhas nesse trem, esperando visitar por poucos dias o seu primo que estava doente e tentando se recuperar da tuberculose, naquele clima frio e elevado, com rarefação de oxigênio (não favorável à proliferação do bacilo de Kock).
Ao chegar às alturas, passa a descrever com detalhes os ambientes sofisticados do sanatório, na verdade um quase hotel de luxo com hóspedes exóticos e ricaços, com suéteres coloridos, bengalas finas e trabalhadas, mãos nos bolsos, cabelos desgrenhados ou penteados da moda, mulheres bonitas, mesas bem adornadas, lustres delicados, em meio ao assobio sibilante de pneumotórax ou em discreta remoção dos pacientes falecidos da enfermidade.
O jovem discorre do prazer de fumar e da sua decisão de parar, fala da necessidade de retirar o chapéu em ocasiões oportunas, descreve um jantar varado a sopa Julianne, carne assada e vinho, bolo com amêndoas, frutas e pão integral com queijo sofisticado.
Por fim, esperando passar uma semana naquela visita, na verdade ele se acostuma com aquela vida de ócio e o tempo vai passando, durando sete longos e intermináveis anos, com poucas emoções e com o sedentarismo trazido pelo poder do dinheiro daquelas pessoas abastadas e acomodadas.
À página 144, uma frase se salienta: “O que se chama de tédio é, na realidade, uma brevidade mórbida do tempo, provocada pela monotonia: em casos de igualdade contínua, os grandes lapsos de tempo chegam a encolher-se a tal ponto, que causam ao coração um susto mortal”. Essa frase reflete tudo o que as pessoas estão passando agora, recolhidas em suas casas, nessa quarentena que já dura oito meses, tentando escapar do vírus mortal. “O tempo à espera da morte, tempo parado, sem necessidade de trabalhar e de fazer renda”. Mas isso só é reservado àqueles que têm reserva financeira que justifica o “ficar em casa”, o que se compara com o sanatório de Thomas Mann, embora seja um sério castigo para pessoas que dependem do trabalho para sobreviver.
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